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O Ministério Público Eleitoral, por meio da Promotoria Eleitoral da 60ª Zona Eleitoral, emitiu nesta sexta-feira manifestação favorável à procedência da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) movida pelos ex-vereadores Leonardo de Gilberto e Elson Francisco (ambos filiados ao Republicanos) e por Cícero de Felinho da Serrinha (que foi candidato a vereador no ano passado pelo Progressistas) contra o diretório do MDB em Buíque, no agreste pernambucano, por suposta fraude à cota de gênero. A autenticidade do documento foi confirmada pelo Podcast Cafezinho.
A acusação gira em torno de Vera Lúcia Pereira Freire, ou Vera de Gonçalo. Segundo a ação, Vera teria sido inscrita como candidata a vereadora unicamente para preencher no papel a cota mínima obrigatória de 30% das candidaturas femininas do MDB em Buíque na eleição municipal passada. O fato dela não ter recebido nenhum voto na urna (nem o próprio), a movimentação financeira mínima registrada após o pleito, a não realização de atos de campanha e até o apoio em suas redes sociais a outra candidata do mesmo partido foram apontados como indícios de que havia sido cometida uma fraude à cota de gênero, pois, na prática, o percentual de candidaturas femininas ficou abaixo do mínimo imposto por lei.
A Súmula Nº 73 do Tribunal Superior Eleitoral diz que, havendo comprovação destes três atos ilícitos, a fraude à cota de gênero pode ser assim definida no caso e, como punições, o partido terá todos seus votos recebidos na última eleição declarados nulos. Com isso, os candidatos que tiverem sido eleitos terão automaticamente seus mandatos cassados e poderão ficar inelegíveis por oito anos, bem como os demais candidatos que não se elegeram, mas que estão filiados ao partido investigado. Além disso, as cadeiras vagas da Câmara de Vereadores, por exemplo, serão redistribuídas após a recontagem dos quocientes eleitoral e partidário entre aqueles que tiveram votos válidos.
No caso de Buíque, a ação havia sido protocolada em novembro do ano passado (um mês após a votação). Cinco candidatos do MDB (partido ao qual está filiado o ex-prefeito Arquimedes Valença e o atual, Túlio Monteiro) se elegeram vereadores, supostamente, se beneficiando desta fraude: Aline de André de Toinho (atual Presidente da Câmara de Vereadores), Dodó, Preto Kapinawá, Daidson Amorim e Peba do Carneiro.
A diplomação destes vereadores chegou a ser suspensa por liminar concedida em primeira instância, que depois foi suspensa no Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco. No TRE-PE, foi deixado claro que a ação deveria seguir normalmente e que uma eventual cassação dos mandatos daqueles eleitos pelo MDB só deveria ser declarada em sentença. O prefeito Túlio Monteiro não está sendo investigado nesta AIJE. Arquimedes sim, por ser o presidente do diretório do MDB em Buíque.
Vera Lúcia Pereira Freire, conhecida como Vera de Gonçalo e apontada como a candidata utilizada pelo MDB na suposta fraude à cota de gênero, teve um mandado de citação expedido em seu desfavor em fevereiro deste ano, mas não se apresentou à Justiça Eleitoral para prestar esclarecimentos. Em abril deste ano, o vereador Peba do Carneiro (que também é um dos investigados nesta AIJE) havia dito que ela teria saído do estado de Pernambuco e se encontrava em Ribeirão Pires, no interior de São Paulo. A ele, foi determinado que fornecesse o número de telefone que seria de Vera, para que a Justiça pudesse contatá-la e, assim, notificá-la para pedir esclarecimentos.
No mês passado, foi dado a Vera de Gonçalo mais um prazo: de 20 dias, por meio da chamada citação por edital, para que ela comparecesse à 60ª Zona Eleitoral de Buíque e apresentasse defesa. Este prazo se encerrou no dia 28 de julho. Na quarta-feira da semana passada, o Juiz Eleitoral Felipe Marinho dos Santos negou um pedido feito pelos investigados para que fosse feita uma oitiva de testemunhas no processo, por considerar que as provas apresentadas nos autos eram mais do que suficientes para o julgamento do mérito. Na prática, o ato dos advogados dos investigados foi visto como uma tentativa de postergar ainda mais a conclusão da AIJE.
A defesa dos investigados disse, resumidamente, que não houve qualquer fraude e que Vera de Gonçalo tinha sim a intenção de concorrer, mas desistiu tacitamente da campanha por falta de apoio financeiro, sem comunicar o partido.
Na manifestação do MPE, o Promotor de Justiça Eleitoral Alexandre Pino disse que os três elementos caracterizadores da prática de "candidaturas laranja" se encontravam robustamente demonstrados nos documentos apresentados nos autos e que o fato da Vera ter apoiado ativamente a campanha da candidata Sandra Pereira da Silva (conhecida como San Produções) era outro grave indício da fraude apontada:
"Votação Zerada: É fato incontroverso que a candidata Vera Lucia Pereira Freire obteve zero votos. Embora a legislação eleitoral não exija um desempenho mínimo do candidato, a ausência de um único voto, inclusive o da própria candidata — que, segundo certidão do cartório, compareceu às urnas —, é um fortíssimo indício de que não houve qualquer esforço para angariar sufrágios.
Ausência de movimentação financeira relevante: A prestação de contas da candidata (Processo nº 0600154-63.2024.6.17.0060) revela uma única receita no valor de R$ 500,00, de natureza "estimável em dinheiro", referente a "serviços prestados por terceiros", doada pela Direção Nacional do MDB Mulher em 11/09/2024. Não há registro de qualquer gasto com material de campanha ou propaganda. Tal movimentação é evidentemente padronizada e irrisória, compatível com uma candidatura meramente formal. A aprovação das contas em processo autônomo não afasta a análise da fraude, pois a verificação na AIJE é mais ampla e examina o contexto da candidatura como um todo.
Ausência de Atos Efetivos de Campanha e Promoção de Terceiros: A acusação junta provas de que, durante o período eleitoral, a Sra. Vera Lucia utilizou suas redes sociais para promover a candidatura de Sandra Pereira da Silva, outra candidata do mesmo partido. Esta conduta é o indício mais contundente da fraude, pois demonstra não apenas a inércia em relação à própria campanha, mas uma ação deliberada em favor de outrem, desvirtuando completamente o propósito de sua candidatura. A defesa alega uma "desistência tácita" por falta de recursos, mas tal argumento perde força diante da campanha ativa para uma concorrente"
Além disso, o MPE discordou da justificativa de que o MDB teria sido pego de surpresa com a desistência tácita de Vera de Gonçalo, pois uma vez que a fraude à cota de gênero pode atingir a regularidade da chapa, a fiscalização acerca de todos seus integrantes é responsabilidade do partido. Ainda que, na manifestação, o MPE tenha defendido somente a inelegibilidade pro oito anos da candidata Vera de Gonçalo, a própria Súmula Nº 73 do TSE prevê que esta inelegibilidade seja estendida a todos os investigados dentro da AIJE, caso o ilícito seja reconhecido em sentença.
Aqui em Pernambuco, no último dia 04, o Tribunal Regional Eleitoral cassou o mandato de uma vereadora que havia sido eleita em Serra Talhada pelo Partido Solidariedade por fraude à cota de gênero. O presidente do diretório municipal do partido também ficou inelegível por oito anos, por ter conduzido a convenção e homologado as candidaturas fictícias. Em Brejo da Madre de Deus, o União Brasil teve sua chapa cassada em fevereiro pelo TRE-PE.
No caso de Buíque, o Juiz Eleitoral ainda precisará proferir sentença, o que não tem data para ocorrer. Caso julgue procedente, a recontagem dos quocientes eleitoral e partidário seria feita, a princípio, com o total de votos válidos recebidos pelo PSDB, Republicanos, Progressistas, PSB e PL (que elegeu um vereador e também responde a uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral por fraude à cota de gênero). Essa recontagem beneficiaria diretamente o grupo de oposição ao atual prefeito Túlio Monteiro: o Republicanos, partido que elegeu dois vereadores e do qual é filiado o engenheiro Jobson Camelo, ganharia mais cadeiras na Câmara. O Progressistas, que não conseguiu nenhuma cadeira por causa do MDB, também se garantiria. O PSB, que obteve somente uma cadeira, poderia ter mais. Todos estes partidos fizeram parte da coligação União pela Mudança, adversária de Túlio na eleição municipal do ano passado.
E até o PSDB, da coligação de Túlio, poderia ser beneficiada, mesmo que na recontagem suas cadeiras na Câmara não aumentem. A atual Presidente da Câmara é filiada ao MDB e corre o risco de ter seu mandato cassado. Caso a cassação ocorra, Cidinho de Cícero Salviano sairia da vice-presidência para automaticamente assumir o posto de Aline.