BUÍQUE: MEDIDA CAUTELAR DO TCE SUSPENDE LICITAÇÃO MILIONÁRIA DA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO

 

Decisão monocrática do Conselheiro Dirceu Rodolfo de Melo Junior foi proferida na última sexta-feira e acolheu as alegações de que a Prefeitura do município do agreste pernambucano não seguiu alguns dos requisitos legais exigidos para a escolha da empresa vencedora: única concorrente no processo de licitação citado, com valor de R$ 1,8 milhão. Auditoria ainda apontou que valores de referência teriam sido superestimados, não correspondendo ao que é praticado no mercado. Decisão ainda será levada aos demais conselheiros para homologação, mas já está em vigor

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Foi publicada, na edição desta segunda-feira do Diário Oficial do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, a íntegra da decisão monocrática do Conselheiro Dirceu Rodolfo de Melo Junior que concedeu medida cautelar suspendendo uma licitação feita pela Prefeitura de Buíque, por meio de sua Secretaria Municipal de Educação, para a aquisição de 30 kits pedagógicos referidos como Cogniplay. Cada kit, segundo documento fornecido pela própria Prefeitura ao TCE, continha:

- 12 tablets com tela de 10" (polegadas) e Inteligência Artificial embutida;

- 5 dominós com descrição em Braille;

- 5 dominós de animais com sinalização em Libras (Linguagem Brasileira de Sinais);

- 2 conjuntos didáticos de rampas modulares;

- 5 ábacos abertos em madeira;

- 3 baús pedagógicos multissensoriais com 10 brinquedos cada;

- 5 espelhos portáteis com cartões ilustrados;

- 5 cartões de profissões e ferramentas;

- e 1 manual técnico pedagógico impresso.

O orçamento inicial para a aquisição destes materiais, destinados a atender os alunos diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA), dislexia e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) da rede municipal de ensino, estava estimado em R$ 1.957.899,90 (um milhão, novecentos e cinquenta e sete mil, oitocentos e noventa e nove reais e noventa centavos). Uma licitação foi aberta em agosto deste ano, e teve como vencedora a empresa Gemini Soluções Pedagógicas Ltda. para fornecer estes kits pelo valor total de R$ 1.863.000,00 (um milhão, oitocentos e sessenta e três mil reais). Essa microempresa foi aberta há pouco mais de dois anos, tem sede em São Paulo, um capital social de R$ 250 mil e entre 1 a 10 funcionários. Estes dados são da própria Receita Federal. A auditoria feita pelo TCE apontou, no entanto, que seu capital social era de R$ 100 mil.

Contudo, a empresa EDULAB- Comércio de Produtos e Equipamentos Ltda. entrou com uma representação no TCE pedindo a suspensão deste processo licitatório, alegando quatro fatores:

- Ausência de critérios técnicos para especificação dos itens;

- Ausência de Estudo Técnico com a demonstração da vantajosidade da solução escolhida;

- Agrupamento indevido de itens distintos;

- Descrição ambígua de equipamentos com tecnologia comum de mercado.

Foram citados como interessados nesta Medida Cautelar: o Prefeito de Buíque, Túlio Monteiro, e o pregoeiro José Siqueira da Silva Júnior. A Secretária Municipal de Educação, Samila Carvalho, cujo nome aparece em alguns documentos relativos à licitação em questão, não foi incluída pelo órgão.

Na conclusão de sua representação, a EDULAB disse que a descrição do objeto licitado pelo órgão licitante deve ser feito de forma a possibilitar a ampla competitividade e que "a inserção de especificações tão peculiares e exatas, bem como a diversidade de itens de natureza distinta, tem como finalidade apenas restringir a competitividade e direcionar o certame, fato este que irá ensejar o SUPERFATURAMENTO pela ausência de possibilidade de disputa de preços", numa menção indireta à administração buiquense.

A Prefeitura de Buíque defendeu a legalidade do processo licitatório e completou:

"Não procedem os argumentos apresentados em sede de representação. Inclusive, a Representante não logrou êxito em demonstrar qual teria sido o efetivo prejuízo, aos licitantes, em decorrência dos achados por ela apontados. Sequer a empresa EDULAB indicou a ocorrência de sobrepreço, ou dano ao erário, que pudesse respaldar a suspensão do certame. Em verdade, a empresa apenas argumenta de forma sintética e hipotética a ocorrência de restrição à competitividade, sem, no entanto, comprová-la. Ademais, não menos importante ressaltar que, quanto à escolha do material didático, por parte da Secretaria de Educação de Buíque, esta encontra-se no âmbito do mérito administrativo. Ou seja, não poderia este TCE/PE, nos presentes autos, questionar a solução escolhida, em relação ao seu mérito, no sentido de concluir que ela teria sido irregular, ou não adequada aos anseios da administração municipal. O processo de avaliação e escolha é pauta estritamente técnica, devendo ser realizada através de avaliações pedagógicas coordenadas pela própria Secretaria Municipal de Educação, como, de fato, ocorreu em relação à escolha do material didático COGNIPLAY, nos termos constante do ETP"

A Diretoria de Controle Externo do TCE, em seu parecer, reconheceu que três das quatro alegações apresentadas pela EDULAB deveriam ser acolhidas, ainda que parcialmente (com exceção da descrição ambígua de equipamentos com tecnologia comum de mercado):

"No processo licitatório em questão, o Estudo Técnico Preliminar (ETP) deveria ter incluído uma análise técnica e/ou pareceres da equipe pedagógica. Essa análise deveria avaliar outras soluções similares disponíveis no mercado de diferentes editoras, que oferecessem integração e tecnologia embarcada, e que atendessem aos objetivos do projeto pedagógico. Assim, não foi apresentado estudo comparativo adequado da solução selecionada com outras metodologias pedagógicas com características similares, de forma a justificar a escolha da solução específica e demonstrar vantajosidade e a economicidade do citado objeto. 

Além disso, a escolha de projeto pedagógico como única solução capaz de atender às necessidades do Fundo Municipal de Educação do Município de Buíque, frustrou a participação de outras editoras com projetos educacionais semelhantes. Tal constatação se torna ainda mais evidente ao se verificar que apenas uma empresa (Gemini Soluções Pedagógicas) participou do processo licitatório, apresentando lances e, consequentemente, sagrando-se vencedora. Esse fato, por si só, já suscita questionamentos acerca da competitividade do certame e da amplitude da competitividade que, em tese, deveria nortear os processos de compras públicas. (...)

A ausência de outros participantes, que poderiam ter ofertado propostas distintas e potencialmente mais vantajosas para a administração pública, levanta a hipótese de que as condições estabelecidas no edital podem ter sido restritivas demais. (...)

Como já exposto no ponto 2.1.1, apesar de no ETP constar a escolha de uma metodologia (Projeto Pedagógico Cogniplay), não foi apresentado estudo comparativo da solução selecionada com outras metodologias pedagógicas com características similares, de forma a justificar a escolha da solução específica e demonstrar vantajosidade e a economicidade do citado objeto. (...)

Quanto ao questionamento de que não haveria base para atestar a condição de competição, cabe uma análise específica. Consultando a plataforma bnccompras (doc. 12, p. 1-3), observa-se que a única empresa que participou do certame licitatório foi a Gemini Soluções Pedagógicas, o que pode indicar que a referida empresa seja fornecedora exclusiva da solução pedagógica, objeto do contrato. Causa estranheza que a Gemini Soluções Pedagógicas, sendo a única participante da sessão de disputa, tenha reduzido valor inicial orçado de R$ 1.957.899,90 para o valor R$ 1.863.000,00. 

Esse fato pode indicar que o orçamento foi superestimado e não condiz com os preços praticados pelo mercado. Destaca-se que esta auditoria não teve acesso ao documento com a formulação do orçamento estimativo. Relativamente à experiência da empresa Gemini Soluções Pedagógicas, verifica-se que a mesma foi aberta em 02/03/2023 (doc. 13), não tem nenhum contrato no Estado de Pernambuco conforme consulta ao Tome Conta (doc. 14) e que em consulta ao PNCP (docs 15 e 16) consta um único contrato com o Município de Mamanguape - PB, cujo objeto é diferente do tratado na presente análise".

Mesmo não tendo sido constatado o chamado risco de dano reverso, pelo fato dos tais kits ainda não terem sido enviados ao município, a equipe técnica defendeu a concessão da medida cautelar pelas incertezas apresentadas quanto ao valor definido para a aquisição e o potencial risco de dano ao erário.

Já em sua decisão monocrática, o Conselheiro Dirceu Rodolfo de Melo Júnior deu razão ao pedido da EDULAB contra a Prefeitura de Buíque, dizendo que:

"De fato, os fatos denunciados procedem, ainda que parcialmente. Consoante análise da Auditoria, restou comprovado que a solução denominada Projeto Pedagógico Cogniplay não foi comparada com outros projetos similares, tampouco constou do edital análise técnica ou pareceres emitidos pela equipe pedagógica. Assim, não se demonstrou, no Estudo Técnico Preliminar – ETP, por meio de comparativo adequado, a avaliação da solução selecionada em cotejo com outras metodologias de características semelhantes. A ausência desse estudo afronta o disposto no art. 5º, combinado com a alínea a do art. 9º, ambos da Lei Federal nº 14.133/2021, e implicou restrição à competitividade, não se evidenciando, por consequência, a vantajosidade e a economicidade na escolha do projeto mais adequado para o Município, in verbis (...)

Tanto é assim que apenas uma empresa se habilitou e, conforme informado pela Prefeitura, sagrou-se vencedora, tendo o resultado sido devidamente homologado e adjudicado. Ademais, a auditoria destacou que, embora a empresa Gemini Soluções Pedagógicas tenha participado sozinha da fase de lances na sessão pública, ainda assim reduziu o valor inicialmente orçado de R$ 1.957.899,90* para R$ 1.863.000,00, circunstância que pode indicar que o orçamento de referência foi superestimado e não corresponde aos preços praticados no mercado".

* Valor corrigido durante a produção desta reportagem, pois no documento do voto do Conselheiro Dirceu Rodolfo, foi colocado erroneamente o montante de R$ 19.577.899,99 (dezenove milhões, quinhentos e setenta e sete mil, oitocentos e noventa e nove reais e noventa e nove centavos)


Com isso, a Medida Cautelar foi concedida e a Prefeitura de Buíque terá que suspender esta licitação, até que a decisão seja levada para apreciação e homologação pelos conselheiros da Segunda Câmara do TCE. Não há prazo para que isto ocorra.

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