EXCLUSIVO: PRECATÓRIOS FAZEM MUNICÍPIO DE BUÍQUE CONSTAR COMO INADIMPLENTE EM SISTEMA DE TRANSFERÊNCIAS DO GOVERNO FEDERAL

 

Pagamento referente a uma dívida trabalhista deveria ter sido feito até 31 de dezembro de 2024, último dia de Arquimedes Valença como prefeito. Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região determinou, em janeiro, o registro da inadimplência no sistema Transferegov, que trata das transferências voluntárias da União aos municípios e estados. Inadimplência pode gerar suspensão da transferência de determinados recursos federais até que município do agreste pernambucano comprove que tal pendência foi sanada 

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Dados do sistema Transferegov, atualizados até este sábado, apontam que o Município de Buíque está inadimplente desde o dia 09 de janeiro deste ano com o pagamento de precatórios judiciais em tramitação no Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (TRT-6).

O Transferegov é uma ferramenta integrada e centralizada, com dados abertos, destinada à informatização e à operacionalização das transferências de recursos oriundos do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social da União a órgão ou entidade da administração pública estadual, distrital, municipal, direta ou indireta, consórcios públicos e entidades privadas sem fins lucrativos. Qualquer cidadão pode usar a função de acesso livre para consultar informações sobre as transferências. A plataforma é gerenciada pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.

As informações trazidas aqui nesta matéria foram coletadas tanto dos dados abertos disponibilizados pelo Transferegov, quanto do Sistema de Informações sobre Requisitos Fiscais (CAUC) do Tesouro Nacional e até do Banco Nacional de Devedores Trabalhistas, do Tribunal Superior do Trabalho.

Os precatórios são requisições de pagamentos expedidos pelo Judiciário para cobrar de municípios, dos estados ou da União (incluindo autarquias e fundações) valores devidos após condenação judicial definitiva, podendo ser de natureza alimentar (ações judiciais relacionadas a salários, aposentadorias, pensões ou indenizações) ou não alimentar (quando tratam de outros temas, como desapropriação e tributos). Independente de quem venha a assumir o mandato ou de quando se originou este precatório, esse pagamento é obrigatório e deve ser feito pelo município e por aquele que ocupa o cargo de prefeito.


Transferegov

No Transferegov, existem três tipos de irregularidades quanto ao pagamento de precatórios judiciais que podem tornar um município inadimplente em seu sistema: Tribunais de Justiça (TJ), Tribunais Regionais Federais (TRF) e Tribunais Regionais do Trabalho (TRT). Buíque constava como inadimplente neste último, de acordo com os dados disponibilizados no sistema no momento em que esta matéria era produzida.

O despacho proferido em 09 de janeiro deste ano pelo Desembargador do Trabalho Sérgio Torres Teixeira, então vice-presidente do TRT-6, que culminou nesta inclusão da inadimplência de Buíque no Transferegov, se refere a um processo movido por um servidor público contra o município em 2022 (similar aos demais que culminaram, no âmbito do Tribunal de Justiça de Pernambuco, no bloqueio judicial de valores em contas bancárias da Prefeitura em julho deste ano). O valor, que não foi disponibilizado em nossa consulta, deveria ter sido pago até 31 de dezembro de 2024: último dia de Arquimedes Valença como prefeito de Buíque. Contudo, o pagamento não ocorreu.

A Resolução 303/2019 do Conselho Nacional de Justiça diz, em seu Artigo 17, § 2º que:

"Não sendo disponibilizados os recursos necessários ao pagamento integral da dívida requisitada no regime geral, o presidente do tribunal, após atualização, mandará certificar a inadimplência nos precatórios, cientificando o credor e a entidade devedora quanto às medidas previstas no art. 100, §§ 5o e 6o, da Constituição Federal"

Já o referido trecho da Constituição Federal diz que:

"§ 5º É obrigatória a inclusão no orçamento das entidades de direito público de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de fevereiro, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 136, de 2025)

§ 6º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exequenda determinar o pagamento integral e autorizar, a requerimento do credor e exclusivamente para os casos de preterimento de seu direito de precedência ou de não alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do seu débito, o sequestro da quantia respectiva. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009)."

O Município de Buíque e o autor da ação foram cientificados quanto à inadimplência. O relator do despacho no TRT-6 ainda deixou claro que, neste caso, poderia ocorrer a solicitação do sequestro da quantia necessária à liquidação integral do valor atualizado devido. Ou seja: mais um bloqueio judicial de valores em contas bancárias da Prefeitura. Eis a transcrição do despacho:
"Cuida-se de precatório tombado sob o nº 01800/2022, não satisfeito pelo executado Município de Buíque no prazo estabelecido na Constituição Federal, até 31.12.2024. 
Nos termos do artigo 20, § 3º da Resolução CSJT nº 314/2021, não comprovado o pagamento do precatório vencido, será o ente público inscrito no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas-  BNDT, em face da legislação e dos normativos de regência, e a inadimplência registrada no Sistema TRANSFEREGOV do Governo Federal. 
Assim sendo, em cumprimento ao artigo 17, § 2º, da citada Resolução do CNJ, cientifique o Município de Buíque e a parte autora quanto à inadimplência no precatório, podendo o beneficiário requerer o que entender de direito. Ato contínuo inclua o executado no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas (BNDT) e no Sistema TRANSFEREGOV".

Banco Nacional de Devedores Trabalhistas

Como a inadimplência deste precatório persiste até hoje (como mostra o próprio Transferegov), o nome do Município de Buíque foi parar também no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas, do Tribunal Superior do Trabalho. Fizemos uma consulta no sistema para confirmar se Buíque estava de fato lá. A consulta pode ser feita por qualquer cidadão, utilizando o número do CNPJ do referido ente federativo.
Não apenas este precatório constava na certidão positiva de débitos trabalhistas, como também haviam outros cinco pendentes de pagamento: todos em tramitação no TRT-6 e protocolados entre os anos de 2022 e 2023, durante o mandato de Arquimedes.

Para que empresas possam participar de licitações na administração pública, elas são obrigadas a ter uma Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas.
Já a Certidão Positiva de Débitos Trabalhistas atesta a existência de registro do CPF ou do CNPJ da pessoa sobre quem deva versar a certidão no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas, em virtude de inadimplência perante a Justiça do Trabalho quanto às obrigações estabelecidas em sentença condenatória transitada em julgado ou em acordos judiciais trabalhistas, inclusive no concernente aos recolhimentos previdenciários, a honorários, a custas, a emolumentos ou a recolhimentos determinados em lei; ou decorrentes de execução de acordos firmados perante o Ministério Público do Trabalho, Comissão de Conciliação Prévia ou demais títulos que, por disposição legal, contiver força executiva.

CAUC

A referida inadimplência também consta no chamado CAUC- Sistema de Informações sobre Requisitos Fiscais, do Tesouro Nacional. No extrato do CAUC, ao qual também obtivemos acesso por ser acessível por qualquer cidadão, ela já aparece no Item 1.2 (Regularidade no pagamento de precatórios judiciais) como "A Comprovar" (imagem abaixo).

Quanto ao item seguinte estar desabilitado, o próprio CAUC esclareceu que "foi identificada uma falha no carregamento do item 1.3 constante do extrato do CAUC. Por este motivo, o referido item foi desabilitado para todos os entes federativos. A área de tecnologia de informação já foi informada dessa ocorrência e, enquanto o problema persistir, recomendamos realizar a consulta diretamente junto a Caixa Econômica Federal". Consultamos o sistema da Caixa informado pelo CAUC para avaliar a condição da regularidade de Buíque quanto a Contribuições para o FGTS, e lá consta que o município está regular.

Também aparece como item "A Comprovar" a chamada Publicação do Relatório de Gestão Fiscal: embora a Prefeitura de Buíque tenha feito a entrega no prazo de todos os relatórios exigidos por quadrimestre pelo Siconfi (Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro), a Câmara de Vereadores deixou de entregar este relatório referente ao segundo quadrimestre de 2025, tornando-a inadimplente. A casa legislativa buiquense é vinculada ao mesmo CNPJ do Município de Buíque.

Consequências

Quando consta uma irregularidade que resulte em situação de inadimplência no Transferegov, o município corre o risco de ficar sem receber determinados recursos da União até comprovar que todas as pendências foram sanadas. Sem esses recursos, ainda que temporariamente, o gestor daquele município precisa, em muitas vezes, adotar medidas de contingência para manter os serviços essenciais à população em funcionamento. E é isso que o atual prefeito de Buíque precisou fazer, ao que tudo indica, para arrumar a bagunça deixada por seu antecessor.
Em 24 de setembro, Túlio Monteiro assinou o Decreto Nº 43, que determinou o corte de alguns gastos na administração pública e o pagamento de algumas gratificações aos servidores públicos até o dia 31 de dezembro. Uma das justificativas apresentadas no decreto para tais medidas foi o "incremento importante de acordos judiciais e extrajudiciais, contratos, convênios e congêneres, com relevante comprometimento das receitas destinadas às ações governamentais no exercício corrente", sobretudo nos primeiros meses deste ano. Também houve uma breve citação da redução na arrecadação de tributos, sem maiores detalhes.

Somente de transferências federais para o Município de Buíque de 1º de janeiro a 11 de outubro de 2025 (já levando em conta os descontos e deduções obrigatórias), houve um crédito total distribuído de R$ 112.460.602,85 (cento e doze milhões, quatrocentos e sessenta mil, seiscentos e dois reais e oitenta e cinco centavos). Janeiro foi o mês com mais dinheiro em caixa (R$ 14 milhões) e março foi o mês com menos dinheiro (R$ 10 milhões). Os dados são do Banco do Brasil e levam em conta os valores distribuídos ao município via Fundo de Participação dos Municípios, Fundo Especial do Petróleo, ITR- Imposto Territorial Rural, FUS- Fundo Saúde, FUNDEB- Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação, Simples Nacional e ADO 25 (Compensação da Lei Kandir). 
O portal TomeConta, do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, apontou que até 31 de agosto, o município de Buíque contava com uma receita total de mais de R$ 152,4 milhões e previsão de arrecadar R$ 227,4 milhões até o fim deste ano. No ano passado, tais receitas fecharam na casa dos R$ 246 milhões: maior arrecadação da série histórica. As informações enviadas ao Tome Conta refletem o conteúdo enviado pelos gestores e não representam, necessariamente, dados auditados.

Desde que assumiu a Prefeitura, em janeiro deste ano, Túlio Monteiro tem lidado com diversos desafios financeiros e administrativos de Buíque: em especial, aqueles deixados por Arquimedes Valença, de quem Túlio foi seu vice entre os anos de 2021 e 2024. O bloqueio de valores em contas da Prefeitura para o pagamento dos chamados precatórios em julho pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco foi um fator que acabou pegando a atual gestão de surpresa: só aqui, o município precisou desembolsar mais de R$ 1,7 milhão que Arquimedes não pagou enquanto prefeito e que admitiu não ter pago, mesmo sendo obrigatório.
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