ESPECIAL: O QUE É FRAUDE À COTA DE GÊNERO?

 

Expressão ganhou força após as eleições municipais do ano passado, e também a atenção de candidatos e partidos políticos desde então. Nesta reportagem especial, tentaremos explicar do que se trata e como funcionam os julgamentos de algumas ações relacionadas na Justiça Eleitoral (Foto: Antonio Augusto/Ascom/TSE)

Leia também: Pernambuco- Buíque tem oitavo pior Índice de Governança Municipal do estado, aponta Conselho Federal de Administração e Exclusivo- Ação de Investigação contra PL em Buíque é julgada improcedente pela Justiça Eleitoral


Se você tem acompanhado o noticiário eleitoral, principalmente do ano passado pra cá, terá notado que a expressão "fraude à cota de gênero" tem aparecido com bastante frequência. Porém, você sabe do que se trata?

A Lei das Eleições impôs aos partidos políticos uma cota mínima de candidaturas dedicadas às mulheres, como forma de incentivar sua participação na política e diminuir uma disparidade histórica em relação aos homens nesta área. Essa cota mínima ficou estabelecida em 30%: ou seja, se um partido lançar dez candidatos a vereador, três destas candidaturas precisam ser de mulheres.

Contudo, surgiu o problema das candidaturas fictícias: quando os partidos inscrevem candidatas que, no papel, parecem estar de acordo com o previsto em lei, mas que não são efetivas na prática. A esta prática, é dado o nome de fraude à cota de gênero.

Buscando cessar esta fraude e impor o cumprimento da previsão de cota dita na legislação por todos os partidos, o Tribunal Superior Eleitoral aprovou, em maio do ano passado, a Súmula Nº 73, que determina que uma fraude à cota de gênero está caracterizada pelos três seguintes indícios apresentados com provas robustas e contundentes:

- votação zerada ou inexpressiva;

- prestação de contas zerada, padronizada ou ausência de movimentação financeira relevante;

- ausência de atos efetivos de campanha, divulgação ou promoção da candidatura de terceiros.

Esta súmula do TSE é levada em consideração nos julgamentos de todos os casos envolvendo fraude à cota de gênero do Brasil, em tramitação na Justiça Eleitoral, visando dar uniformidade a estes julgamentos. Quando os indícios apontados acima são comprovados e a ação (geralmente uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral- AIJE, podendo ocorrer também por meio de uma Ação de Impugnação de Mandato Eletivo- AIME) é julgada procedente, podem ocorrer as seguintes punições:

- ao partido investigado: nulidade de todos os votos obtidos por seus candidatos, bem como a cassação do chamado Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP). Sem este documento, o partido fica impedido de receber, por exemplo, recursos do fundo partidário;

- aos candidatos e dirigentes envolvidos: ainda que não tenham anuência, ciência ou participação na fraude, podem ter seus diplomas cassados (nos casos daqueles eleitos, o mandato também é cassado), bem como ficar inelegíveis por oito anos;

- além disso, a recontagem dos votos válidos é determinada, bem como os cálculos dos novos quocientes eleitoral e partidário para redistribuição das vagas: em um município, da Câmara de Vereadores.

O caso mais recente de um julgamento de ação relacionada à fraude à cota de gênero ocorreu na última sexta-feira, quando o Juiz Eleitoral da 60ª Zona Eleitoral de Buíque considerou improcedente uma AIJE protocolada pelo ex-vereador Deca de Zé de Napo (PSB) contra o diretório municipal do PL. Para Felipe Marinho dos Santos, o autor da ação não conseguiu apresentar provas robustas e contundentes de que a candidatura de Rosimeyre Rafaella e Silva Ramos foi fictícia ou utilizada unicamente pelo partido para o preenchimento da cota no papel. O PL, que fez parte da coligação que apoiou o engenheiro Jobson Camelo como candidato a Prefeito de Buíque (assim como o PSB, partido ao qual Deca está filiado), conseguiu eleger um vereador: Salomão Dentista. Na sentença proferida, foi deixado claro que os elementos apresentados pela defesa do autor apresentavam, no máximo, uma constatação das dificuldades enfrentadas pela candidata por sua inexperiência política e pela falta de recursos para sua campanha.

Outro caso envolvendo suposta fraude à cota de gênero em Buíque envolve o diretório do MDB, partido ao qual está filiado o atual Prefeito Túlio Monteiro e que conseguiu eleger cinco vereadores: dentre eles, a atual Presidente da Câmara de Vereadores, Aline de André de Toinho. Aqui, dois ex-vereadores (filiados ao Republicanos) e um candidato a vereador filiado ao Progressistas apontaram que o MDB teria utilizado uma candidata fictícia que não recebeu nenhum voto (nem mesmo o dela), não teria feito movimentação financeira relevante, não teria feito atos efetivos de campanha e pior: teria feito campanha para outra candidata do partido. O Ministério Público Eleitoral já emitiu parecer favorável à cassação dos mandatos, que depende agora do Juiz Eleitoral para proferir sentença acolhendo os argumentos dos autores e do MPE ou considerando improcedente a ação.

No Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco, estão em tramitação recursos contra decisões proferidas na primeira instância que tanto julgaram procedentes quanto improcedentes as ações relacionadas à suposta fraude de cota de gênero. Um destes recursos envolve o município de Bezerros, onde três vereadores eleitos pela Federação Brasil da Esperança (PT, PC do B e PV) tiveram seus mandatos cassados em maio pela 35ª Zona Eleitoral. Dois desembargadores do TRE-PE já votaram por tornar a ação improcedente, o que devolveria a estes vereadores seus mandatos, incluindo o relator. A Desembargadora Karina Albuquerque Aragão de Amorim pediu vista neste processo. Ela deixou o órgão no último dia 25 de agosto e retorna ao Tribunal de Justiça de Pernambuco.

Outros casos no TRE-PE envolvem o município de Itapetim, onde o PSB recorreu de duas sentenças que julgaram improcedentes as ações protocoladas contra os diretórios municipais do Republicanos e da Federação PSDB-Cidadania. Em ambas as ações, a maioria dos desembargadores entendeu que os elementos apresentados pelo partido não sustentavam a tese de fraude à cota de gênero, mantendo assim as sentenças de primeira instância.

Em maio deste ano, já havia sido julgada improcedente no TRE-PE uma ação movida pela Federação PSDB-Cidadania contra o diretório do União Brasil em Sertânia. A Justiça Eleitoral, em primeira instância, também havia considerado a ação improcedente por falta de provas contundentes da suposta fraude à cota de gênero.

Há, inclusive, uma preocupação de especialistas em Direito com a utilização de ações judiciais com este tema por determinados grupos políticos, exclusivamente para deslegitimar seus opositores. A falta de consenso jurídico sobre a definição de votação inexpressiva numa eleição, a depender do município, bem como uma definição mais clara sobre a ausência de movimentação financeira relevante numa campanha eleitoral, e até a hipótese de cassação integral da chapa quando tal ação é julgada procedente também são pontos que, para eles, podem causar uma interpretação variável do previsto em lei e até descredibilizar o posicionamento da Justiça Eleitoral no combate a este ato que afasta as mulheres da efetiva e plena atividade político-partidária no Brasil.

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