URGENTE: TRE ACOLHE RECURSO EM AIJE E DETERMINA CASSAÇÃO DOS MANDATOS DOS VEREADORES DO MDB DE BUÍQUE

 

Desembargadores reconheceram, ao contrário do Juiz de primeira instância, que houve fraude à cota de gênero e, nos moldes do voto da relatora, determinaram a cassação dos mandatos de todos os cinco vereadores eleitos pelo partido (incluindo a atual Presidente da Câmara), além da recontagem dos votos para uma nova distribuição das cadeiras da casa legislativa. Mesmo ainda cabendo recurso ao TSE, decisão desta terça-feira já entra em vigor e sinaliza um duro baque ao atual prefeito Túlio Monteiro (Foto: Adauto Nilo/ Portal GiroSocialB)

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Por William Lourenço e João Gabriel Silva


Os desembargadores do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco votaram, por unanimidade, para acolher parcialmente um recurso eleitoral movido contra decisão da 60ª Zona Eleitoral de Buíque que tinha julgado improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral contra o diretório municipal do MDB no município do agreste pernambucano, determinando a cassação dos mandatos de todos os cinco vereadores eleitos por este partido: Aline de André de Toinho (atual Presidente da Câmara de Vereadores), Dodó (condenado em primeira instância por improbidade administrativa), Peba do Carneiro, Daidson Amorim e Preto Kapinawá. 

A relatora do processo, Desembargadora Roberta Viana Jardim, entendeu que houve sim fraude à cota de gênero e que, ao contrário do compreendido pelo magistrado de primeira instância, as provas apresentadas pelos autores da ação (Leonardo de Gilberto, Elson Francisco e Cícero de Felinho da Serrinha) eram mais do que suficientes para comprovar a ilicitude. Os demais desembargadores do TRE acompanharam o voto da relatora.


O caso da fraude à cota de gênero do MDB de Buíque gira em torno da candidatura de Vera Lúcia Pereira Freire, conhecida como Vera de Gonçalo. Ela foi filiada ao partido, supostamente, para cumprir no papel a cota mínima de 30% de candidaturas femininas exigida pelo Tribunal Superior Eleitoral. O fato dela não ter recebido nenhum voto na última eleição (nem mesmo o próprio), não ter efetuado atos de campanha em prol de sua candidatura (ao contrário, acabou apoiando a candidatura de outra pessoa filiada ao MDB) e a movimentação insignificante de recursos financeiros no período foram indícios que chamaram atenção para uma possível fraude à cota de gênero, nos termos da Súmula Nº 73 do próprio TSE. E, a partir daí, o caso virou processo.

Houve, ainda no ano passado, por parte do Juiz da 60ª Zona Eleitoral de Buíque, a concessão de uma liminar que cassava a diplomação destes cinco vereadores do MDB, pois ele tinha entendido que havia sim configurado fraude à cota de gênero. O TRE suspendeu esta liminar dias depois, por entender que uma eventual cassação só poderia ocorrer após o julgamento do mérito da ação (caso de hoje). No julgamento do mérito em primeira instância, houve o julgamento da improcedência da ação pela ausência de provas, indo totalmente na contramão do proposto pelo Ministério Público Eleitoral e da decisão liminar do próprio magistrado. O advogado dos autores recorreu, então, ao TRE.

Na sentença proferida nesta terça-feira, a relatora do processo disse, dentre outras coisas, que:

"Na espécie, a análise rigorosa e verticalizada do conjunto probatório demonstra a presença inequívoca dos três elementos previstos no enunciado sumular, em uma convergência de indícios que impõe o reconhecimento da fraude, superando o standard probatório exigido. Deveras, no caso em apreço, alguns indícios, isoladamente analisados, não permitiriam concluir pelo ilícito. No entanto, o conjunto, isto é, o somatório das circunstâncias fáticas demonstradas, traz o insofismável tom de robustez exigido para a caracterização da fraude"

Ela também rechaçou a hipótese de desistência tácita de Vera de Gonçalo, apresentada pelos advogados do MDB:

"Ao divulgar candidatura alheia, a Sra. Vera Lúcia não estava apenas desistindo; ela estava, na verdade, atuando de forma veemente para beneficiar o projeto político do partido, confirmando que sua função era meramente instrumental e fictícia. Esse ato comissivo, vale dizer, a propaganda em favor de outrem, é o ponto de inflexão que retira a dúvida e impõe o reconhecimento da fraude. A conjugação da votação zerada, da movimentação financeira ínfima e da promoção ativa de terceiro, em vez de campanha própria, estabelece um conjunto probatório robusto e convergente, inapto a gerar a dúvida necessária para a aplicação do in dubio pro sufragio. Como já antecipado, a linha argumentativa da defesa, acompanhada na fundamentação da sentença vergastada, encontra-se calcadas na hipótese de desistência informal/tácita da candidata por falta de apoio financeiro. Ocorre que a caracterização da desistência tácita demanda a presença de um ponto de partida genuíno de campanha, materializado pela apresentação de uma candidatura real e efetiva, o que não se revelou na espécie (...)

No caso em comento, a alegação de desistência tácita encontra-se em total descompasso com as circunstâncias fáticas dos autos, havendo tão somente alegações genéricas de uma possível desistência tácita pela falta de apoio financeiro que não foi realizado pelo partido"

A desembargadora ainda deu um puxão de orelhas no diretório municipal do MDB, chefiado pelo ex-prefeito buiquense Arquimedes Valença, pela chamada inércia na fiscalização das candidaturas femininas dentro do partido e chegou a falar brevemente sobre a trajetória política de Vera de Gonçalo:

"Aliás, o desconhecimento da suposta desistência pelo partido indica uma inércia da própria agremiação em fiscalizar e zelar pela efetividade das candidaturas femininas, falhando no dever de fomentar a participação feminina na política. Observa-se, portanto, que a frágil afirmação merece pouca valoração diante de outras circunstâncias que, sincronizadas, evidenciam, robustamente, a existência de uma candidatura “de fachada”, destinada unicamente a possibilitar que o partido cumprisse a cota mínima do gênero feminino quanto às candidaturas proporcionais, nas eleições de 2020. 

A sentença, para afastar a fraude, ponderou, ainda, sobre a trajetória política prévia da candidata, que concorreu ao mesmo cargo em 2020 e em agremiação diversa. Sem embargo, tal argumento não interfere na análise da fraude de 2024. O exame deve cingir-se ao pleito atual. Conforme ressaltaram os investigantes/recorrentes, a participação anterior, na qual a candidata obteve apenas 3 votos, pode, na verdade, evidenciar um padrão de utilização de seu nome apenas para preencher o percentual mínimo, reforçando a natureza fictícia de sua candidatura no pleito sob análise".

Foi entendido, pela relatora, que a candidatura de Vera de Gonçalo foi lançada com o único intuito de preencher, de forma artificial, a reserva de gênero e, assim, burlar a lei eleitoral com, pelo menos, cinco circunstâncias que, somadas, configuram a fraude.

"Logo, reconhecido o ilícito, a cassação de todos os candidatos vinculados ao DRAP é critério objetivo, ou seja, uma vez contaminada a formação da chapa proporcional, com ou sem participação do(a)(s) candidato(a)(s) eleito(a)(s), por desrespeito ao requisito previsto no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97, falece o pressuposto ao deferimento do DRAP, perdendo a agremiação partidária o direito de participação no certame eleitoral. Repise-se que, em casos como o presente, se a candidata fictícia não constasse na lista de registro de candidaturas, o partido não poderia se lançar na disputa com nenhum candidato, homem ou mulher. A cota de gênero estaria descumprida desde a origem. Como consectário lógico das nulidades dos votos dados à chapa proporcional investigante, necessário também que haja o reprocessamento dos votos, nos termos dos artigos 7º a 10 da Resolução TSE nº 23.611/2019. De qualquer sorte, se de um lado, não há dúvida de que o DRAP do MDB contou com uma candidatura fictícia, de outro, não se enxerga como se possa extrair dos autos a responsabilidade subjetiva da candidata investigada, de modo que se possa afirmar com convicção que ela tenha concorrido diretamente para esse estado de coisas, motivo pelo qual, na dúvida, entende-se incabível imputar-lhe a sanção de inelegibilidade"

Assim, ficou determinado que:

- os mandatos de todos os vereadores eleitos e suplentes do MDB serão cassados;

- todos os votos recebidos pelo MDB para vereador serão anulados e uma recontagem dos quocientes eleitoral e partidário precisará ser feita, para que as cadeias vagas da Câmara de Vereadores sejam redistribuídas entre aqueles partidos que receberam votos válidos. A medida beneficiará diretamente os autores da AIJE e seus respectivos partidos, o Republicanos e o Progressistas. Além deles, também poderão ser beneficiados o PSB e o PSDB. Com exceção do PSDB, todos os outros fizeram parte da chapa que apoiou Jobson Camelo como candidato a Prefeito de Buíque, e a Câmara, que antes contava com maioria volumosa ao lado de Túlio Monteiro, poderá ficar com uma oposição mais forte;

- o Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) do MDB de Buíque será cassado, com todas as candidaturas vinculadas a ele anuladas.

A sentença do TRE tem aplicação imediata e já está em vigor, mesmo cabendo recurso ao Tribunal Superior Eleitoral. Na nova redistribuição, já levando em conta os cálculos de quociente partidário e eleitoral, bem como das chamadas sobras de vagas, o PSDB (que tem Cidinho de Cícero Salviano como vice-presidente) contará com oito cadeiras na Câmara de Vereadores; o Republicanos contará com três cadeiras; o Progressistas ganhará uma cadeira, o PSB contará com duas cadeiras e o PL manterá sua cadeira.

Pedimos ao advogado dos autores da AIJE contra o MDB de Buíque uma manifestação oficial acerca da sentença proferida nesta terça. Abaixo, a íntegra do que nos foi enviado:

"Recebo a decisão do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco com profundo senso de responsabilidade institucional.

O acórdão proferido pelo TRE-PE reafirma algo essencial para a democracia: a política de cotas de gênero não é um requisito meramente formal, tampouco pode ser burlada por expedientes artificiais. Trata-se de uma ação afirmativa constitucionalmente legitimada, que exige efetividade, seriedade e respeito à participação feminina na vida política.

A decisão corrige, com técnica e rigor jurídico, a compreensão adotada em primeiro grau, enfrentando de forma objetiva a tese da chamada “desistência tácita” e reconhecendo, a partir de um conjunto probatório robusto, a existência de candidatura fictícia destinada unicamente a viabilizar o DRAP partidário. O Tribunal deixa claro que não há espaço para dúvidas quando os fatos revelam desvio de finalidade e fraude à legislação eleitoral.

Atuei neste processo com o compromisso de defender a lisura do pleito e a integridade das regras democráticas, convicto de que o combate à fraude eleitoral não protege interesses individuais, mas o próprio sistema representativo.

A decisão do TRE-PE representa um marco relevante para Buíque e para Pernambuco, e reafirma o papel da Justiça Eleitoral como guardiã da normalidade e da legitimidade do processo democrático"

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