A ação civil pública de improbidade administrativa contra Vanildo Almeida Cavalcanti (Dodó) e Salomão Galdêncio Barbosa (Salomão Dentista), que havia sido ajuizada pelo Ministério Público de Pernambuco em 2017, foi julgada procedente pela Central de Agilização Processual do Tribunal de Justiça de Pernambuco em sentença proferida no dia 16 do mês passado. Dodó e Salomão são vereadores da atual legislatura em Buíque, no agreste do estado, pelo MDB e PL, respectivamente.
O suposto ato de improbidade administrativa teria ocorrido em 2012, quando Dodó era Presidente da Câmara de Vereadores e Salomão, seu assessor. O Promotor de Justiça de Buíque disse que eles "teriam desviado verbas públicas mediante a nomeação de um “funcionário fantasma” (...) para o cargo de Procurador-Geral da Câmara. Sustenta que os vencimentos, que nunca exerceu o cargo, eram pagos e apropriados pelos réus, com SALOMÃO recebendo uma "comissão" e VANILDO o restante".
O funcionário citado, que nos solicitou gentilmente a não inclusão de seu nome na reportagem (embora apareça na sentença que pode ser lida na Consulta Processual Unificada do TJPE), é advogado. Sua documentação havia sido utilizada sem seu consentimento e ele só descobriu o esquema envolvendo seu nome após uma notificação da Receita Federal em 2014, sobre um débito referente aos rendimentos do cargo ao qual nem sabia que exercia entre os anos de 2011 e 2012. Imediatamente, ele comunicou a Polícia, que abriu inquérito e depois o repassou ao MPPE para abertura do processo. O dano ao erário causado pela apropriação indébita dos recursos por Dodó e Salomão foi estimado em pouco mais de R$ 47 mil. Inicialmente, estimaram que o valor fosse de mais de R$ 54 mil, mas correções foram feitas no decorrer do processo.
Em 2017, a Vara Única da Comarca de Buíque já havia concedido uma medida liminar solicitando o imediato bloqueio judicial dos bens dos réus, até que se atingisse o valor apontado como dano ao erário.
Em fevereiro do ano passado, o processo foi enviado à Central de Agilização Processual do TJPE.
A defesa de Dodó disse nos autos que seu cliente teve suas contas dos anos citados aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado, o que afastaria a improbidade apontada pelo Promotor de Justiça. Defendeu que os pagamentos eram feitos ao servidor nomeado e que não houve, por parte dele, nenhuma prática de ato ímprobo, dolo ou dano ao erário.
A defesa de Salomão disse que sua participação se limitou ao fato de ter indicado o conhecido como funcionário a pedido de Dodó e fornecido seus documentos, não tendo efetuado saques nem recebido valores indevidos. Ambos os réus pediram que fosse considerada a prescrição intercorrente da ação (prevista na Lei de Improbidade Administrativa, nas alterações sancionadas pelo então Presidente Jair Bolsonaro em 2021).
Contudo, a Juiza Vallerie Maia Esmeraldo de Oliveira não acolheu este pedido dos réus, pois mesmo a ação tendo sido protocolada em 15 de junho de 2017, as alterações da Lei de Improbidade Administrativa só entraram em vigor em 26 de outubro de 2021 e a sentença foi proferida em 16 de junho de 2025. Para que a prescrição intercorrente fosse aceita, a sentença deveria ter sido proferida somente depois do dia 26 de outubro de 2025 (o prazo a ser considerado aqui é de quatro anos entre a data da publicação das alterações da lei e a data em que a sentença foi proferida, uma vez que o processo já estava em curso). Eis o que diz parte da sentença:
"O primeiro marco interruptivo da prescrição intercorrente, conforme o art. 23, §4º, I, da LIA (com redação da Lei 14.230/21), é o ajuizamento da ação. Para os processos em curso quando da entrada em vigor da nova lei, o termo inicial para a contagem do prazo da prescrição intercorrente é a data de publicação da Lei nº 14.230/2021, ou seja, 26 de outubro de 2021. Entre 26 de outubro de 2021 e a presente data, não transcorreram 4 (quatro) anos. Ademais, houve marcos processuais relevantes, como a manifestação das partes sobre provas e a conclusão para julgamento. Portanto, não se configurou a prescrição intercorrente".
Dodó solicitou a oitiva de duas testemunhas a seu favor: o contador e a tesoureira da Câmara na época em que os fatos narrados ocorreram. A Juiza considerou que as provas documentais e os depoimentos já existentes do inquérito policial eram mais do que suficientes para análise do mérito:
"O próprio (...), em depoimento na esfera policial (Id. 20836874, p. 23) e cujos termos foram reiterados em juízo criminal (conforme alegações do MP na réplica, Id. 103506126), negou ter trabalhado para a Câmara ou sequer ter conhecimento da nomeação até ser notificado pela Receita Federal sobre rendimentos não declarados (Id. 20836944, p. 37-41). Os depoimentos das testemunhas-chave, tesoureira da Câmara e o contador da Câmara, colhidos tanto na esfera policial (Id. 20836874) quanto em juízo criminal (Id. 103506126), são uníssonos em afirmar que o servidor não era visto na Câmara e que os cheques nominais a ele emitidos eram entregues ao réu SALOMÃO GALDÊNCIO BARBOSA. O réu SALOMÃO GALDÊNCIO BARBOSA, em seu depoimento policial (Id. 20836874, p. 17), confessou ter indicado o nome do funcionário a VANILDO e que este lhe repassava R$ 200,00 mensais como "gratidão" pela indicação, afirmando que o acordo era chamar o funcionário se necessário, mas que não houve tal necessidade. Em juízo criminal (Id. 103506126, p. 275-276), embora tenha tentado mitigar sua participação, confirmou que VANILDO pediu a documentação de (...) e que este nunca trabalhou, admitindo o recebimento do "agrado". O réu VANILDO ALMEIDA CAVALCANTI, por sua vez, tanto em sede policial (Id. 20836874, p. 20) quanto em juízo criminal (Id. 103506126, p. 276), admitiu ter nomeado o advogado por indicação de SALOMÃO, que entregava os cheques relativos ao salário a SALOMÃO, e que o homem nunca compareceu à Câmara, alegando genericamente que os serviços seriam prestados por telefone (o que é negado pelo advogado). Crucialmente, VANILDO admitiu ter quitado a dívida de (...) com a Receita Federal, o que denota seu conhecimento sobre a irregularidade dos pagamentos". (Destaques e edições feitos por nossa conta, para auxílio aos leitores na compreensão da transcrição da sentença)
Quanto à alegação de Dodó de que a aprovação de suas contas pelo TCE afastaria a acusação de improbidade, a Juiza frisou, resumidamente, que uma coisa não tem nada a ver com a outra, devido à independência existente entre as instâncias administrativa, cível e criminal, e que o órgão não adentrou na análise da regularidade de cada contratação ou efetiva prestação de serviço de seus servidores, concluindo que o advogado acabou sendo, de fato, usado como "funcionário fantasma" e que os vencimentos que seriam destinados a ele, por um serviço que nunca foi prestado e do qual ele sequer tinha conhecimento, foram desviados pelos réus.
Como Presidente da Câmara, Dodó autorizava os pagamentos ao "funcionário fantasma" e pedia a Salomão, seu assessor, para que fizesse o saque. Salomão recebia de Dodó uma espécie de "comissão" mensal no valor de R$ 200 em cima desses vencimentos, conforme consta nos autos. O próprio Salomão confessou em depoimento à Polícia que recebia esta "comissão". O prejuízo aos cofres da Câmara de Vereadores com os desvios foi estimado em R$ 47.649,40 (quarenta e sete mil, seiscentos e quarenta e nove reais e quarenta centavos), já levando em conta os juros e correções monetárias. Dodó teria se apropriado indebitamente de R$ 43.649,40 (quarenta e três mil, seiscentos e quarenta e nove reais e quarenta centavos), enquanto Salomão teria ficado com R$ 4 mil.
"O dolo dos agentes é evidente. VANILDO, como Presidente da Câmara, tinha o dever de zelar pela correta aplicação dos recursos públicos e pela regularidade das nomeações e pagamentos. Ao anuir com a nomeação de um funcionário que não trabalharia e ao participar do esquema de desvio dos salários, agiu com dolo, com a vontade livre e consciente de incorporar para si e para outrem valores públicos. SALOMÃO, ao indicar seu sobrinho, fornecer os documentos e receber uma "comissão" mensal, também demonstrou dolo em participar e se beneficiar do esquema ilícito. (...)
A conduta dos réus, ao montarem um esquema para desviar salários de um funcionário fantasma, viola frontalmente os princípios da moralidade administrativa, da legalidade, da impessoalidade e da honestidade. Não se trata de mera irregularidade, mas de um deliberado esquema para lesar o erário e obter vantagem indevida. A finalidade ilícita de se apropriar dos recursos públicos é manifesta."
Por considerar que o desvio de recursos públicos foi cometido de forma dolosa e consciente por Dodó e Salomão, a Juiza da Central de Agilização Processual os condenou com as seguintes sanções:
- Perda da função pública que eventualmente estiver ocupando por ocasião do trânsito em julgado desta sentença;
- Suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 8 (oito) anos;
- Proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 (dez) anos.
Além disso, Dodó terá de pagar R$ 43.649,40 (quarenta e três mil, seiscentos e quarenta e nove reais e quarenta centavos) para ressarcir os cofres públicos e mais R$ 43.649,40 (quarenta e três mil, seiscentos e quarenta e nove reais e quarenta centavos) como multa civil. Salomão também foi condenado a ressarcir os cofres públicos em R$ 4 mil, além da multa civil de R$ 4 mil.
Também foi confirmada a indisponibilidade de bens dos réus, para que tais valores sejam pagos.
"Após o trânsito em julgado: Oficie-se à Justiça Eleitoral para as providências relativas à suspensão dos direitos políticos dos réus. Inscrevam-se os nomes dos réus no Cadastro Nacional de Condenados por Ato de Improbidade Administrativa e por Ato que implique Inelegibilidade (CNCIAI) do Conselho Nacional de Justiça. Comuniquem-se os órgãos de controle e as entidades públicas pertinentes para as providências cabíveis quanto à proibição de contratar com o Poder Público e de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. Expeçam-se os competentes mandados para cumprimento da sanção de perda da função pública, se for o caso", concluiu a Juiza na sentença.
Dodó ainda corre o risco de perder seu mandato como vereador e de ficar inelegível por oito anos por causa da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) protocolada contra seu partido, o MDB, acusado de ter cometido fraude à cota de gênero nas eleições municipais do ano passado. O PL, partido de Salomão, também é alvo de uma AIJE pelo mesmo motivo.
Em nota, o advogado de Salomão Galdêncio Barbosa (Salomão Dentista) ponderou que a sentença contra seu cliente foi proferida em primeira instância, que cabe recurso (e que irá recorrer) e que no caso do seu mandato de vereador, ele só será interrompido quando for declarado o trânsito em julgado do processo (ou seja, quando não for possível recorrer da sentença, por ela já ser considerada definitiva em uma instância superior da Justiça).
Questionado pela reportagem sobre se seu cliente já havia tomado ciência da sentença judicial, o advogado disse, de forma respeitosa, que o Estatuto da Advocacia veda o compartilhamento de qualquer informação sobre a relação advogado-cliente, razão pela qual não poderia responder a este questionamento.
Também o questionamos sobre as alterações da Lei de Improbidade Administrativa sancionadas em 2021 e se elas não poderiam ser aplicadas no caso em específico. O advogado disse que o tema vem sendo discutido em instâncias superiores, sobretudo quanto à aplicação retroativa destas alterações em processos abertos antes da aprovação do texto que mudou a lei, e que eventuais discussões sobre o assunto são cabíveis nos recursos a serem interpostos. Abaixo, a íntegra da nota:
"Em relação ao processo nº 0000361-77.2017.8.17.2360, é importante pontuar que a decisão judicial mencionada trata-se de sentença de primeira instância, ainda sujeita a recurso e revisão pelas instâncias superiores, não havendo trânsito em julgado até o presente momento.
Dessa forma, conforme estabelece o artigo 20 da Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa) e o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal), as eventuais sanções de perda de função pública ou suspensão de direitos políticos somente poderão ser executadas de forma definitiva após o esgotamento de todos os recursos cabíveis, ou seja, após o trânsito em julgado da decisão.
Portanto, não há qualquer impacto imediato sobre o exercício do mandato parlamentar, permanecendo o vereador no pleno exercício de suas funções, observado o devido processo legal.
Sobre o eventual conhecimento do teor da sentença por parte do cliente, ressalto que a relação advogado-cliente é protegida pelo sigilo profissional, nos termos do artigo 25 do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº 8.906/94), razão pela qual não posso compartilhar detalhes internos desta comunicação.
Em caráter geral, esclareço que, em processos desta natureza, é cabível a interposição de recursos para reforma da sentença, incluindo eventuais discussões sobre a aplicação retroativa das alterações introduzidas pela Lei nº 14.230/2021, que modificou aspectos relevantes da Lei de Improbidade Administrativa — tema este que, inclusive, vem sendo objeto de apreciação pelos tribunais superiores em diversos precedentes recentes"
O espaço segue aberto para a defesa de Vanildo Almeida Cavalcanti, vulgo Dodó, apresentar sua manifestação acerca do que foi informado nesta reportagem.
O advogado que teve sua documentação utilizada indevidamente e sem seu consentimento pelos vereadores de Buíque enviou um e-mail ao Podcast Cafezinho horas após a publicação desta matéria, solicitando gentilmente que seu nome completo (que aparece na sentença judicial disponibilizada no portal de Consulta Pública do TJPE) não fosse citado por nós, pois segundo o próprio, ele já foi lesado nessa situação e não gostaria de ter seu nome circulado desta forma. Compreendendo o pedido e todas suas circunstâncias, o atendemos e fizemos as devidas alterações no conteúdo, uma vez que o mesmo foi vítima de um crime, como a própria sentença divulgada comprovou.
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