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A empresa Realbus Locação de Veículos EIRELI, com sede no município pernambucano de São João, firmou mais um contrato com a Prefeitura de Buíque no valor de R$ 5.897.460,70 (cinco milhões, oitocentos e noventa e sete mil, quatrocentos e sessenta reais e setenta centavos) para prestação de serviços de transporte escolar dentro do município do agreste. O extrato do contrato, assinado em 09 de abril, foi publicado na edição do Diário Oficial dos Municípios da AMUPE do dia 22 deste mês.
Esta empresa já foi citada em auditorias do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, por supostamente não prestar devidamente os serviços pelas quais foi contratada pelos entes municipais. No caso de Buíque mesmo, seu nome aparece na auditoria que pediu a devolução aos cofres públicos de mais de R$ 200 mil por parte de Marilan Belisário, ex-secretária municipal de Educação. Um dos motivos pelos quais a ex-secretária recebeu tamanha imputação de débito foi por causa das despesas não justificadas com a locação de quatro caminhões-pipa, que totalizaram R$ 72 mil. A Realbus foi a empresa contratada nesse caso e não foi multada aqui, pois segundo a auditoria, as falhas trazidas ocorreram por causa da gestão municipal.
Ela ainda é citada na Prestação de Contas de Gestão de 2020, aprovada com ressalvas em maio e onde o ex-prefeito Arquimedes Valença e outras cinco pessoas foram multadas pelas irregularidades apontadas. Uma delas, envolvendo prorrogações consideradas irregulares de contratos de prestação de serviços de transporte escolar no referido ano entre a empresa e o município.
A questão dos transportes escolares em Pernambuco chegou em um ponto tão crítico que, em 2023, o Tribunal de Contas do Estado precisou fazer uma fiscalização abrangente nas frotas dos municípios para avaliar quais irregularidades haviam (desde ônibus sem as menores condições de circulação até motoristas inabilitados para dirigir tais veículos) e o que os prefeitos deveriam fazer para corrigi-las. No caso de Buíque, o então prefeito Arquimedes Valença chegou a assinar um Termo de Ajuste de Gestão e não o cumpriu integralmente, sendo multado em mais de R$ 16 mil. A Realbus já prestava esse tipo de serviço à Prefeitura neste período. Não existem, até o momento, investigações ou processos em curso envolvendo os contratos firmados entre a empresa e a Prefeitura de Buíque.
Processo em Caruaru
Segundo consta no processo, ao qual obtivemos acesso, a Realbus foi a empresa vencedora de uma licitação realizada pela Prefeitura de Caruaru no ano de 2021, ficando responsável pelo "fornecimento de serviço de transporte escolar dos alunos das escolas públicas situadas neste Município, incluindo veículos, motoristas, combustível, manutenção, dentre outros, de acordo com o disposto no termo de referência do edital de licitação, estando devidamente listadas na cláusula oitava as condições da execução contratual". O valor do contrato ultrapassa a casa dos R$ 12,5 milhões. O Ministério Público de Pernambuco, por meio da 1ª e 2ª Promotorias de Cidadania de Caruaru, havia pedido na Justiça a suspensão desta licitação por causa das supostas irregularidades a serem apresentadas a seguir.
Em fevereiro de 2022, a Polícia Rodoviária Federal expediu 53 autos de infração e recolheu dois veículos no município. Dentre eles, um ônibus sem retrovisor, conduzido por um motorista que não tinha toda a documentação necessária para conduzir um veículo escolar e transportando quatro crianças sem cinto de segurança.
Também foi citado no processo o caso de outro ônibus escolar, recolhido por estar com o tacógrafo quebrado, sem licenciamento, sem relatório de viagem e com problemas, inclusive, nas placas dianteira e traseira. Tais situações foram consideradas pelo Ministério Público uma violação das exigências contratuais firmadas na licitação, razão pela qual a suspensão da licitação e de quaisquer pagamentos do município à empresa demandada era medida que deveria ser aplicada.
A Realbus afirmou, em sua defesa inicial, que "o deferimento do que restou postulado pelo Demandante acarretaria a impossibilidade de pagamento de mais de 100 (cem) funcionários, bem como deixaria os alunos da rede municipal sem transporte para as escolas", que "todas as ocorrências surgiram na primeira semana de serviço, momento em que a Demandada e o Município de Caruaru ainda estavam se adequando, informando adiante que os veículos apontados na peça inaugural foram todos substituídos por outros em condições; que todos os motoristas contratados já passaram pela capacitação no curso de transporte escolar; que ainda está providenciando vistorias junto ao INMETRO, uma vez que a referida instituição somente tem condições de vistoriar dois veículos por mês; que todos os veículos possuem seguros para o ressarcimento de possíveis danos; que todos os ônibus estão com os itens de segurança exigidos, à exceção dos GPS/rastreadores, que ainda estão em fase de implantação"
Já a Prefeitura de Caruaru disse que uma paralisação imediata do contrato, naquele momento, poderia gerar uma situação de calamidade, "tendo em vista que não conseguiria prestar diretamente o serviço e nem tampouco teria tempo para efetuar novo processo licitatório". Defendeu a legalidade da licitação e que "as vistorias dos ônibus vêm sendo regularmente realizadas e que os documentos necessários para a realização dos pagamentos vêm sendo apresentadas pela contratada".
O Ministério Público de Pernambuco sustentou a tese de que a Realbus não tinha as condições necessárias para vencer a licitação em questão, e que não cumpriu plenamente os dispositivos contratuais, fazendo-o apenas após a operação da PRF, e seguiu apontando outras ações que considerou irregulares:
- A Realbus deveria ter apresentado à Secretaria Municipal de Educação de Caruaru seus veículos para uma vistoria, justamente para que a pasta avaliasse se eles estavam em condições de prestar o serviço de transporte escolar de forma adequada. Vistoria esta que, segundo os promotores, não foi comprovada pelas partes processadas, mesmo estando previsto em contrato.
- Alguns ônibus da frota da Realbus estavam circulando sem cobertura de seguro e sem GPS/rastreador, mesmo tendo esta obrigação prevista em contrato;
- Os motoristas contratados só iniciaram um curso de formação específico para conduzir veículos escolares depois do início da execução do contrato, pois a Realbus teria começado recentemente a investir na aquisição de veículos para sua frota.
E, talvez aqui, o mais grave apontamento feito pelo Ministério Público de Pernambuco: o de que a empresa Realbus teria feito uma declaração falsa no procedimento licitatório de que cumpria com todos os requisitos exigidos em edital. O MPPE ainda destacou que "a Empresa Ônibus Coletivos apresentou recurso apontando que a empresa vencedora não atenderia à exigência do edital, tendo em vista que o seu capital social seria de apenas R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), não atendendo à qualificação econômico-financeira para a prestação dos serviços, além da concessão de prazo elástico para que a mesma apresentasse a referida documentação, todavia a citada irresignação não foi acolhida pela pregoeira". Segundo a Receita Federal, o capital social da Realbus é de R$ 1.674.669,00 (um milhão, seiscentos e setenta e quatro mil, seiscentos e sessenta e nove reais).
Uma liminar favorável à suspensão da licitação até chegou a ser concedida em parte, determinando à época que a Prefeitura de Caruaru decidisse, agisse e regularizasse a situação dentro do seu espectro de discricionariedade em até 30 dias, seja convocando o próximo habilitado que preencha todas as condições editalícias para a prestação do serviço, seja revogando o certame licitatório e convocando um novo. A Prefeitura recorreu e essa liminar foi derrubada. Após a apresentação de novas provas e manifestações das partes envolvidas, coube ao Juiz de Direito José Adelmo Barbosa da Costa Pereira, da 2ª Vara Pública da Fazenda Pública da Comarca de Caruaru, proferir sentença em 21 de julho deste ano.
O magistrado entendeu que, "caso as falhas apresentadas pelo Representante do Ministério Público Estadual dissessem respeito apenas a irregularidades decorrentes da execução contratual", poderia se buscar um consenso quanto ao prazo para a resolução das irregularidades apontadas sem prejuízo aos alunos da rede municipal de ensino. Contudo, ele concordou com o argumento do MPPE de que houve mácula na licitação desde o início, uma vez que a Realbus teria prestado declaração falsa de que cumpria com todos os requisitos exigidos em edital, o que configura fraude à licitação. Diz parte da sentença:
"(...) para ser devidamente habilitada no certame licitatório, a Empresa REALBUS LOCAÇÃO DE VEÍCULOS EIRELLI apresentou declaração com compromissos que não condiziam com a realidade, uma vez que diversos veículos que estavam prestando serviços foram objeto de autuação pela Polícia Rodoviária Federal por estar em desconformidade com o Código de Trânsito Brasileiro (ID 101852742 e seguintes); o documento de ID 103215138 demonstra que alguns dos motoristas somente foram matriculados no curso de formação e atualização de transporte escolar em 31.03.2022, após a distribuição deste processo, dois meses após o início da prestação dos serviços; o documento de ID 103215137 demonstra que as apólices de seguros por responsabilidade civil de transporte de passageiros somente foram emitidas em 01.04.2022, igualmente depois da distribuição deste processo e após dois meses de prestação do serviço; o documento de ID 130215136 aponta que as vistorias ainda estavam sendo providenciadas no último mês de abril; e em sua própria peça de defesa, no ID 103215160, a referida Empresa afirma que ainda estaria providenciando a instalação dos GPS/rastreadores.
Nessa esteira, verifica-se que Empresa REALBUS LOCAÇÃO DE VEÍCULOS EIRELLI prestou declaração falsa com a finalidade de vencer o certame licitatório, maculando a referida concorrência e prejudicando não tão somente os demais participantes da concorrência, mas sim toda a população caruaruense, tanto os estudantes que estavam sendo transportados sem a devida segurança, como todo contribuinte deste município que estava arcando com um serviço deficiente e sem qualquer controle para que pudesse ser aferida as rotas cumpridas, ferindo assim de morte o disposto no art. 37, inc. XXI, da Carta Magna Republicana (...)"
O Juiz também levou em consideração os argumentos da Prefeitura de Caruaru quanto a um prazo razoável para que um novo processo licitatório seja feito ou convocando a próxima empresa habilitada para a prestação deste serviço, já que "a suspensão imediata da prestação do serviço em questão acarretaria enormes prejuízos aos alunos que dependem do mesmo para o deslocamento até os respectivos estabelecimentos de ensino".
"E por tudo mais que dos autos consta, com fulcro no art. 490 do Código de Processo Civil, na Constituição Federal, legislação e jurisprudência acima citadas, bem como nos demais fundamentos fáticos e jurídicos acima expostos, JULGO PROCEDENTES os pleitos deduzidos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL na peça de entrada deste processo para declarar a inabilitação da Empresa REALBUS LOCAÇÃO DE VEÍCULOS EIRELLI no processo licitatório nº 033/2021 e pregão nº 072/2021 por fraude à licitação e, consequentemente, anular o Contrato Administrativo nº 025/2021 CPL/E firmado entre o MUNICÍPIO DE CARUARU e a mesma, bem como para determinar ao MUNICÍPIO DE CARUARU que decida, aja e regularize a situação dentro do seu espectro de discricionariedade, seja convocando o próximo habilitado que preencha todas as condições editalícias para a prestação do serviço, seja revogando o certame licitatório e convocando um novo, o qual, inclusive, poderia até observar a sugestão do Representante do Ministério Público de fracionar em lotes menores para que haja uma maior participação de licitantes que consigam cumprir todos os requisitos, cuja execução deverá ser iniciada na abertura do ano letivo de 2026.
Até tal data, o serviço deverá continuar sendo prestado pela Empresa REALBUS LOCAÇÃO DE VEÍCULOS EIRELLI, apenas com os veículos e motoristas que estejam integralmente de acordo com o disposto no edital e termo de referência, devendo os pagamentos devidos serem liquidados apenas com a apresentação de toda documentação pertinente, inclusive os relatórios de GPS que comprovem os deslocamentos realizados. Caso a referida Empresa não possa prestar a integralidade do serviço, poderá o Município de Caruaru, durante o aludido período, realizar a contratação direta para suprir o restante das rotas, desde que os contratados apresentem veículos e motoristas de acordo com o disposto no edital e termo de referência."
Foram protocolados embargos de declaração a esta sentença, que ainda serão apreciados em juízo.
Apenas para esclarecimento: na pesquisa da Consulta Processual Unificada do Tribunal de Justiça de Pernambuco, o nome da empresa Locforte Comércio Telefonia e Comunicação LTDA-ME aparece vinculado ao CNPJ da Realbus Locação de Veículos EIRELI. Trata-se da mesma pessoa jurídica.

