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A Segunda Câmara do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco julgou, nesta segunda-feira, a Prestação de Contas de Gestão de 2020 da Prefeitura de Buíque, e os conselheiros decidiram, por unanimidade, pela sua aprovação com ressalvas e aplicação de multa a seis pessoas.
Constavam como responsáveis pelas irregularidades apontadas no Relatório de Auditoria que baseou este processo no TCE:
- Arquimedes Valença, ex-prefeito;
- Marilan Belisário, ex-secretária municipal de Educação;
- Janice Rodrigues, ex-secretária municipal de Saúde;
- Teófila Valença, filha de Arquimedes e ex-secretária de Assistência Social;
- José Siqueira da Silva Júnior, Presidente da Comissão Permanente de Licitação (CPL);
- José Antônio Silva, então Coordenador Geral do Controle Interno;
- Anderson Felipe Rodrigues Batista, funcionário do Controle Interno;
- Jeane Cordeiro Rodrigues de Souza Ferraz, então secretária da CPL;
- Lenildo José dos Santos, contador;
- e Elvis Torres de Siqueira, então membro da CPL.
Marilan deixou a Secretaria de Educação em agosto de 2023. Janice, hoje vereadora eleita pelo Republicanos, deixou a Secretaria de Saúde em abril de 2022. Teófila deixou a Secretaria de Assistência Social em maio de 2022 para ocupar a pasta da Saúde, ficando nela até o fim do mandato de seu pai como Prefeito, em dezembro de 2024. Atualmente, ela é Secretária Municipal de Planejamento na gestão de Túlio Monteiro. Elvis Torres de Siqueira faleceu em dezembro de 2021, aos 50 anos. Sua esposa, Edileide Lopes da Silva, acabou ficando como representante do espólio.
Aqui há uma diferença em relação às Prestações de Contas de Governo (citadas genericamente como contas do Prefeito e que dependem também de aprovação ou rejeição pela Câmara de Vereadores).
As Prestações de Contas de Gestão são encaminhadas pelos administradores e demais responsáveis por recursos públicos, inclusive Prefeitos, quando atuarem como ordenadores de despesas responsáveis pela gestão de bens, dinheiros e valores públicos durante o exercício financeiro. Já as de Governo são aquelas encaminhadas pelos Prefeitos e pelo Governador, e que permitem avaliar, sob os aspectos técnicos e legais, a regularidade da macrogestão dos recursos públicos a cargo do Chefe do Poder Executivo, em especial as funções de planejamento, organização, direção e controle de políticas públicas.
O Ministério Público de Contas havia defendido a rejeição destas contas, por considerar que a não implantação do Sistema de Controle Interno era uma irregularidade muito grave. As demais apontadas no documento foram:
- Prorrogações irregulares dos contratos administrativos firmados pela administração municipal com a empresa Realbus, através do processo licitatório nº 020/2019 (Pregão Presencial nº 014/2019), em desacordo com a legislação pertinente;
- Prorrogações irregulares dos contratos administrativos firmados pela administração municipal com as empresas Realbus e Rodovip, através do processo licitatório nº 053/2019 (Pregão Presencial nº 027/2019), em desacordo com a legislação pertinente;
- Contratação de atração artística musical, através da inexigibilidade de licitação nº 015/2020, sem obedecer aos requisitos legais previstos na legislação pertinente;
- O processo licitatório nº 090/2019 (Pregão Presencial nº 045/2019) não foi realizado em conformidade com o estabelecido na legislação pertinente;
- O processo licitatório nº 070/2020 (Pregão Presencial nº 020/2020) não foi realizado em conformidade com o estabelecido na legislação pertinente;
- Despesas realizadas na função Educação em desacordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação;
- A administração municipal não repassou integralmente as contribuições previdenciárias para o RPPS (Regime Próprio de Previdência Social);
- Pagamentos de juros e multas, através de retenções nas cotas do FPM (Fundo de Participação dos Municípios), decorrentes do recolhimento intempestivo das contribuições previdenciárias junto ao RGPS (Regime Geral de Previdência Social).
Em seu voto, o Conselheiro Carlos Pimentel (relator) lembrou que o ano em questão foi o primeiro da pandemia de COVID-19 e que tal fato deveria ser levado em consideração na análise do processo. Reiterou que as despesas feitas pela então secretária de Educação, Marilan Belisário, apontadas como em desacordo com a lei, foram em valor pouco significativo e que, por estas observações, a aprovação com ressalvas (além das multas) era medida adequada.
Deliberação do Conselheiro Relator
Sobre as prorrogações irregulares de dois contratos firmados entre a Prefeitura de Buíque e as empresas Realbus e Rodovip, o Conselheiro Relator entendeu que tais irregularidades apontadas aconteceram e foram graves:
"Conforme nexo de causalidade descrito no RA, a omissão do dever de publicar na Imprensa Oficial o extrato do termo aditivo configura falta grave, na medida em que impede o conhecimento público da ação e, por consequência, a certeza a respeito da vantajosidade da contratação"
No caso da contratação do artista Ramon Schnayder para o Carnaval de 2020, ele entendeu que houve sim falhas na contratação, mas que elas não são graves o suficiente a ponto de gerar qualquer responsabilização aos envolvidos, defendendo que neste caso fosse emitida apenas uma recomendação:
"Explico que o procedimento seguiu os trâmites devidos, como: autuação; protocolização; numeração; solicitação para contratação; autorização da autoridade superior; indicação de dotação orçamentária, habilitação jurídica; regularidade fiscal e trabalhista; declaração que empresa não emprega menor; parecer jurídico; razão da escolha do artista; justificativa do preço por meio de notas fiscais; homologação e ratificação pela autoridade superior com a publicação no Diário da AMUPE. Os documentos 91 e 92 do processo provam a assertiva. Em outra parte, a ausência de detalhamento de quanto do valor pago caberia ao artista e ao seu empresário exclusivo, não constitui falta relevante diante da pouca expressão do valor envolvido; Quanto ao contrato de exclusividade do artista fora de vigência, o documento 91 pág.10/14 demonstra que a Pessoa Jurídica Vai Rolar Promoções Artística e Eventos Ltda., da qual o cantor compõe o quadro societário, era responsável pelo seu agenciamento".
Sobre o pregão vencido pela empresa FT Combustíveis LTDA para fornecimento de combustíveis à frota da administração pública buiquense, o Conselheiro Carlos Pimentel entendeu o seguinte:
"Chamou atenção para o fato de apenas uma empresa - a detentora do contrato de combustíveis da Prefeitura desde 2017 - ter comparecido à sessão da licitação e ter arrematado seu objeto pelo valor estimado para contratação. Por outro lado, não indicou sobrepreço e consequente superfaturamento que justificassem imputação de débito. A alegação da defesa de não utilização dos modelos de gerenciamento informatizado de frota devido à inexistência de postos adequados na localidade não seria suficiente para afastar os apontamentos da auditoria que têm em mira a melhoria dos editais com vistas a otimizar a gestão. Diante do exposto, entendo pela pertinência dos achados da auditoria. Todavia, discordo da consequência proposta pelo órgão ministerial, por entender pertinente apenas a aplicação de multas, ao tempo em que encaminho as ocorrências para o elenco das ciências, para que a Administração proceda com as correções necessárias nos editais futuros".
No caso das irregularidades de um pregão feito pela Secretaria de Saúde para aquisição de medicamentos e materiais médicos, foi defendida a pertinência dos achados pelo Relatório de Auditoria, mas com a aplicação de multa aos responsáveis e dando ciência à Administração Pública para que não volte a correr tais irregularidades.
Da omissão previdenciária que teria sido cometida por Marilan Belisário, o Conselheiro Relator acatou os argumentos apresentados pelo Ministério Público de Contas em manter a irregularidade e aplicar multa à ex-secretária de Educação de Buíque.
A despeito do Sistema de Controle Interno, irregularidade que havia sido apontada como muito grave e passível da rejeição das contas de gestão de 2020, ficou entendido o seguinte:
"A deficiência do Controle Interno Municipal ficou patente no quadro posto no item 2.1.9. do Relatório de Auditoria onde podemos conferir que diversos itens previstos no Plano de Ação não foram implantados pela Administração Municipal até o final do exercício de 2020. Um dos principais seria a não estruturação do órgão central responsável pelo Sistema de Controle Interno, dotando-o de condições físicas e de quadro de pessoal necessário ao seu funcionamento e à satisfação de importante instrumento de fiscalização da atividade administrativa da Prefeitura. Apesar da constatação, a argumentação defensiva relacionada à carência de pessoal merece ser considerada, afinal estamos tratando de contas relativas ao exercício 2020, diretamente afetadas pelos efeitos da Pandemia provocada pela Covid-19, que trouxe dificuldades a praticamente todos os entes federados. Todavia, entendo cabível a aplicação de multa ao Prefeito e ao Controlador. E remeto a falta ao campo da ciência, a fim de que a gestão atual proceda à composição da equipe encarregada"
Seu entendimento final foi este:
"i) As falhas identificadas, em sua maioria de natureza formal, não chegaram a comprometer a gestão, considerando o contexto pandêmico vivenciado em 2020.
ii) Não houve imputação de débito pela auditoria, e os débitos sugeridos relativos a juros e multas pelo recolhimento intempestivo das contribuições previdenciárias foram afastados, em razão do posicionamento do Pleno desta Corte de Contas em casos similares.
iii) A omissão na estruturação integral do Sistema de Controle Interno foi mitigada pelo contexto da pandemia e pela decretação do estado de calamidade pública.
iv) As falhas nos procedimentos licitatórios e nas prorrogações contratuais, embora relevantes, não justificam a rejeição das contas, mas ensejam a aplicação de multas aos gestores responsáveis".
Multados
- Arquimedes Valença, ex-prefeito de Buíque: R$ 10.880,54 (dez mil, oitocentos e oitenta reais e cinquenta e quatro centavos) pelas irregularidades apontadas no Controle Interno, nas licitações relativas ao fornecimento de combustíveis e aquisição de medicamentos, e nos contratos referentes à locação de veículos;
- Janice Rodrigues, ex-secretária de Saúde e atual vereadora de Buíque: R$ 5.440,27 (cinco mil, quatrocentos e quarenta reais e vinte e sete centavos) pelas irregularidades apontadas na licitação relativa à aquisição de medicamentos e nos contratos referentes à locação de veículos;
- José Antônio Silva, então Coordenador Geral do Controle Interno: R$ 5.440,27 (cinco mil, quatrocentos e quarenta reais e vinte e sete centavos) pelas irregularidades apontadas no Controle Interno;
- José Siqueira da Silva Júnior, Presidente da Comissão Permanente de Licitação (CPL): R$ 5.440,27 (cinco mil, quatrocentos e quarenta reais e vinte e sete centavos) pelas irregularidades apontadas nas licitações relativas ao fornecimento de combustíveis e aquisição de medicamentos;
- Marilan Belisário, ex-secretária de Educação de Buíque: R$ 5.440,27 (cinco mil, quatrocentos e quarenta reais e vinte e sete centavos) pelas irregularidades apontadas na licitação relativa ao fornecimento de combustíveis, nos contratos referentes à locação de veículos e no não repasse integral das contribuições previdenciárias dos servidores da Educação ao Regime Geral de Previdência Social;
- Teófila Valença, filha de Arquimedes, ex-secretária de Assistência Social e atual secretária de Planejamento de Buíque: R$ 5.440,27 (cinco mil, quatrocentos e quarenta reais e vinte e sete centavos) pelas irregularidades apontadas na licitação referente ao fornecimento de combustíveis.
Os demais citados não foram multados.
Recomendações à Prefeitura de Buíque
- A instituição de mecanismos de controle de acompanhamentos dos contratos como forma de evitar prorrogações contratuais sem a observância do disciplinamento para prorrogação de contratos administrativos de que trata o art. 107 da nova Lei de Licitações nº 14.133/2021;
- A instituição de um checklist de documentos para processos de inexigibilidades para contratação de profissional do setor artístico em atendimento ao §2º do art. 74 da Lei nº 14.133/2021;
- A instituição de mecanismos de controle como forma de evitar a realização de despesas com a manutenção de programas suplementares de alimentação e de programas de assistência social utilizando recursos de uso exclusivo para manutenção e desenvolvimento da educação básica pública, conforme dispõe a Lei de Diretrizes e Bases da Educação;
- A instituição de mecanismos de controle para o cumprimento das obrigações previdenciárias, principalmente quanto à data de recolhimento das contribuições previdenciárias devidas ao RPPS, conforme determina a legislação previdenciária municipal.
Ciência à Prefeitura de Buíque
Aqui, o Prefeito Túlio Monteiro é quem receberá o aviso do Tribunal de Contas do Estado para que não cometa as mesmas irregularidades apontadas nesta Prestação de Contas de Gestão, ficando ciente de que:
- A ausência de publicação dos aditamentos de contratos infringe os arts. 91 e 94 da Lei nº 14.133 /2021;
- A ausência de divulgação em local de fácil acesso dos documentos/informações referentes aos procedimentos licitatórios realizados, bem como de todos os contratos celebrados, de forma a viabilizar a todos os indivíduos o acesso à informação e dar transparência aos atos praticados pela gestão municipal, atenta contra as disposições contidas no arts. 174, inciso I e 175 da nova Lei de Licitações;
- Na elaboração dos editais que tenham por objeto o fornecimento de combustíveis, a não fixação de forma expressa do critério de aceitabilidade dos preços máximos dos combustíveis a serem pagos, amparados nos limites de preços à vista ofertados ao consumidor, bem como nos valores das tabelas publicadas pela Agência Nacional do Petróleo - ANP para municípios geograficamente próximos ou de características semelhantes, ou a média de preços do Estado de Pernambuco infringe o disciplinamento do Acórdão nº 1350/2019, Acórdão n° 553/2022 - ambos da Primeira Câmara;
- Na elaboração dos editais que tenham por objeto o fornecimento de combustíveis a não definição do critério de revisão do preço contratado de forma a manter fixa a relação entre o preço contratado e o preço médio pesquisado pela Agência Nacional do Petróleo - ANP do município de Buíque ou em município próximo na semana anterior (ou preço pesquisado pela própria administração municipal), bem como a periodicidade com que serão realizadas as medições para verificação da necessidade de revisão dos valores contratados infringe o disciplinamento do Acórdão nº 1350/2019, Acórdão n° 553/2022 - ambos da Primeira Câmara;
- A não inclusão de cláusula dispondo sobre a preferência dos medicamentos genéricos sobre os demais em condições de igualdade de preços nos editais para aquisição de medicamentos atenta contra os dispositivos da Lei nº 9.787/1999;
- A realização de despesas com a manutenção de programas suplementares de alimentação e de programas de assistência social utilizando recursos destinados à manutenção e desenvolvimento da educação básica pública infringe a Lei de Diretrizes Básicas da Educação;
- A não instituição total dos itens de estruturação do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo infringe a Resolução TC nº 01/2009; A aquisição de combustíveis e lubrificantes sem a realização de estudo de viabilidade de modelos de licitação e contratação afronta o art. 6º, inciso XX e art.18, inciso I, da Lei nº 14.133/2021.
O voto do Conselheiro Relator foi aprovado por unanimidade pelos conselheiros da Segunda Câmara do TCE. Aos que foram multados, ainda cabe recurso no próprio tribunal.