O Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco julgará, na próxima segunda-feira, uma auditoria especial de conformidade que apontou diversas irregularidades em um contrato firmado pela Prefeitura de Buíque com a empresa Editora Camano Sá LTDA em 2024 para a aquisição de livros e kits de saúde bucal aos alunos da rede de ensino do município do agreste pernambucano. Este julgamento, que será realizado na Segunda Câmara, ocorrerá quase um ano após o TCE conceder em parte uma Medida Cautelar solicitada pelo Ministério Público de Contas, suspendendo a execução deste contrato por haver indícios de sobrepreço (valor pago muito acima do que o de mercado).
Ao menos sete irregularidades foram apontadas nesta auditoria especial, relacionadas ao mesmo contrato alvo da Medida Cautelar:
- Irregularidade na nomeação e previsão das atribuições do gestor e do fiscal do
contrato;
- Inexistência de planejamento e controle de recebimento e distribuição dos kits de
saúde bucal.
O ex-prefeito Arquimedes Valença e sua filha Teófila (que era Secretária Municipal de Saúde no ano passado e hoje é titular do Planejamento na gestão de Túlio Monteiro) foram apontados como responsáveis pelas irregularidades.
O Ministério Público de Contas havia entrado com um pedido de Medida Cautelar para suspender os efeitos de um contrato firmado entre a Prefeitura de Buíque e a empresa Editora Camano Sá LTDA, para a aquisição de mais de 16 mil livros e kits de saúde bucal para os alunos da rede municipal de ensino. A compra, feita por meio de Inexigibilidade de Licitação, foi avaliada em mais de R$ 2,6 milhões e o MP de Contas apontou que existiam indícios de sobrepreço por unidade (livro e kit de saúde bucal), em relação a contratos similares realizados por outros municípios, como Tamandaré (Pernambuco) e São José da Lagoa Tapada (Paraíba). Enquanto estes chegaram a pagar entre R$ 110 e no máximo R$ 132 por unidade, a Prefeitura de Buíque (com o aval de Teófila Valença, filha de Arquimedes e então secretária municipal de Saúde) resolveu pagar R$ 160 por unidade. O nome de Teófila é citado na deliberação do Conselheiro Marcos Loreto, que foi o relator da Medida Cautelar.
A defesa de Arquimedes Valença reforçou que o processo de inexigibilidade de licitação neste caso seguiu todas as exigências legais, e que o kit de escovação adquirido pela Prefeitura de Buíque se distinguia dos adquiridos pelos municípios citados por terem melhor qualidade, justificando assim o fato de serem mais caros:
Em seu voto, o Conselheiro Marcos Loreto defendeu que a Medida Cautelar fosse parcialmente aceita, para tão somente impedir os pagamentos considerados acima do valor de mercado nos kits: tais valores chegam a R$ 814,8 mil. O cálculo foi feito baseado na diferença de preços por kit pagos por Buíque e Tamandaré (ou seja, R$ 160- R$ 110), multiplicado pelo total de kits adquiridos pelo município do agreste pernambucano (16.296). Eis o que diz parte de seu voto:
"Concordamos com o abalizado opinativo da procuradora do MPCO quanto aos fortes indícios de superfaturamento devido a outros entes municipais, a exemplo da Prefeitura de Tamandaré, haver celebrado, há poucos meses, contratação idêntica (objeto e fornecedor) por um valor unitário por kit muito inferior (R$ 110,00) ao contratado pela Prefeitura de Buíque (R$ 160,00). A diferença de R$ 50,00 no quantitativo adquirido de 16.296 kits resulta na glosa de quantia significativa, totalizando R$ 814.800,00 (oitocentos e quatorze mil e oitocentos reais), razão pela qual somos pelo entendimento da expedição de cautelar para suspensão parcial dos pagamentos (...)
Nas razões defensivas, não se comprova com documentos, especificações, fotografias, ou até amostras do kit de saúde bucal que se tratam de produtos diferentes, apenas alega-se genericamente, anexando declaração da própria empresa contratada que a escova, pasta e fio dental possui melhor qualidade do que o entregue pela mesma empresa em favor da Prefeitura de Tamandaré, e outros entes públicos (...)
Por outro lado, não nos parece razoável e proporcional a interrupção completa da execução contratual, a partir da suspensão total dos pagamentos, sendo suficiente a suspensão parcial por meio da retenção do valor de R$ 814.800,00 (oitocentos e quatorze mil e oitocentos reais) em relação ao valor global contratual de R$ 2.607.360,00 (R$ 2,6 milhões de reais). (...)
O fumus boni iuris resta caracterizado devido às irregularidades sobre os fortes indícios de sobrepreço. O periculum in mora resta configurado devido à formalização contratual em 13/09/2024 entre a Prefeitura de Buíque/Fundo Municipal de Saúde e a Editora Camano Sá LTDA. (CNPJ 37.311.219/0001-11) e consequente fornecimento iminente dos kits, ensejando direito ao recebimento por parte da contratada, sendo verdade que a inércia desta Corte na tomada de alguma deliberação poderá causar prejuízo aos cofres públicos, bem como tornar ineficaz a ulterior decisão de mérito. Inexiste periculum in mora reverso visto que não se pretende deliberar pela anulação do processo de inexigibilidade e/ou do termo contratual, mas tão somente limitar os pagamentos tomando-se por parâmetro o custo unitário diverso (R$ 110,00), resultando em retenção ou suspensão parcial de pagamentos do valor total de R$ 814.800,00 (oitocentos e quatorze mil e oitocentos reais)".
A decisão monocrática do Conselheiro Marcos Loreto que havia acolhido parcialmente o pedido de Medida Cautelar em cima desse contrato foi homologada, por unanimidade, pela Segunda Câmara do TCE. Loreto, aliás, é o relator do processo de auditoria especial que será julgado na próxima segunda-feira.
Detalhes da auditoria especial
O documento reforçou a tese de sobrepreço apresentada pelo MPCO, em que demonstrou uma diferença de 44,57% do valor pago pela Prefeitura nos kits (mais de R$ 2,6 milhões) para o valor que, segundo o TCE, poderia ter sido pago se a aquisição tivesse sido feita via licitação (pouco mais de R$ 1,8 milhão). A tabela se encontra na imagem no topo desta matéria. Os destaques nos trechos da auditoria, em amarelo, foram feitos por nós para melhor compreensão do conteúdo pelos nossos leitores.
"Do exposto, é necessário que a Prefeitura Municipal de Buíque, em processos
aquisitivos e formação de preço estimado, atente para o que determinam as normas vigentes.
É indispensável que a administração pública vise reforçar as boas práticas e assegurar
que os princípios da administração pública sejam rigorosamente observados", diz parte do relatório de auditoria.
A falta de transparência quanto aos procedimentos licitatórios foi outro ponto que chamou a atenção. Embora não tenha sido identificado nenhum erro grosseiro ou doloso por parte da Prefeitura de Buíque, ainda assim, a irregularidade não passou batida pela auditoria:
"A Lei Federal nº 12.527/2011, que regula o acesso à informação, estabelece a
obrigatoriedade de divulgação de informações relativas a procedimentos licitatórios, não
apenas das constantes no aviso de licitação, mas também dos respectivos editais e resultados,
em site oficial na internet. A exceção expressamente prevista na referida lei é para os
municípios com população de até 10 mil habitantes, que não é o caso do Município de
Buíque, cuja população estimada, de acordo com o IBGE, é de aproximadamente 52.097
habitantes.
Em fevereiro de 2025, em continuação aos trabalhos, foi consultado novamente o
Portal da Prefeitura Municipal de Buíque, todavia não se conseguiu abrir nem o Portal da
Transparência nem o link de Licitações e Contratos.
Do exposto, é recomendável que a Prefeitura Municipal de Buíque disponibilize e
mantenha atualizado, em seu site oficial, o Portal da Transparência, contendo toda
documentação necessária, como avisos de licitação, os respectivos editais, anexos,
ratificações, entre outros, dentro dos prazos estabelecidos na Lei da Transparência, a fim de
que a população em geral possa acompanhar os registros administrativos e todas as
informações sobre os atos do governo municipal.
Não foram respeitadas, portanto, as legislações existentes (LRF - Lei de
Responsabilidade Fiscal - Lei Complementar nº 101/2000, bem como a Lei de Acesso à
Informação - Lei Federal nº 12.527/2011)"
A Lei de Licitações obriga a designação de representantes, por parte da Administração Pública, para acompanhar a fiscalização e gestão durante a execução de um contrato deste tipo. O problema encontrado pelos auditores no caso de Buíque foi a designação de um servidor como fiscal e gestor deste contrato, mas não para por aí.
Itamar Nunes da Silva, Diretor de Alimentação Escolar, disse em resposta aos auditores do TCE que teve seu nome incluído nestes documentos sem que ele soubesse que havia sido indicado. Também não havia sido formalizada nenhuma portaria de nomeação de fiscal e gestor deste contrato, contrariando novamente o previsto em lei:
"Assim, diante das circunstâncias entende-se que não ocorreu a devida designação do
gestor e fiscal do contrato, conforme previsto legalmente, bem como a indicação das
atribuições de tais gestores e fiscais de forma detalhada, configurando-se irregularidade,
conforme legislação e jurisprudência supracitada.
Ressalte-se que todas as fases do Processo Licitatório foram assinadas pela Secretária
de Saúde, à época, Srª. Teófila Maria Macêdo Valença Correia".
Também não foi feita, por parte da administração buiquense, qualquer divulgação deste contrato no sistema RemessaTCEPE, mesmo com um ofício enviado ao então prefeito em outubro do ano passado solicitando estas informações, configurando assim mais uma irregularidade.
"Quando da auditoria “in loco”, em fevereiro de 2025, a atual controladora municipal
não soube responder, logo a responsabilidade deve recair sobre o gestor à época, o qual
deveria designar um servidor para alimentar dados de remessas mensais no RemessaTCEPE.
A omissão do ente municipal não condiz com a transparência, pois vai de encontro ao
que determina a Resolução TC 231/2024 (...)
Ainda que a Prefeitura registre no Sistema RemessaTCEPE o processo em tela, após o
conhecimento dessa omissão, ficará comprovado o atraso do registro. Tal prática compromete
a publicidade, princípio da administração pública inserto no art. 37, caput, da Carta Suprema (Constituição Federal) (...)
Do exposto, a Prefeitura Municipal de Buíque, tempestivamente, deve inserir no
sistema Remessa, todas as informações determinadas em resolução vigente, concernente aos
seus processos licitatórios, sem prejuízo de multa aplicada ao gestor, à época, pelas omissões
apontadas, nos termos do art. 73, II, da Lei Estadual nº 12.600/2004".
Foi destacada, ainda, a agilidade com que todos os documentos do contrato, feito por inexigibilidade de licitação, ficaram prontos: da formalização de demanda e autorização de contratação até o termo de homologação, tudo foi feito entre os dias 09 e 10 de setembro do ano passado. A então secretária de Saúde, Teófila Valença, foi quem assinou toda a documentação. O processo de inexigibilidade em si durou apenas quatro dias. A auditoria aponta que aqui pode estar caracterizado contratação direta indevida com dolo, fraude ou erro grosseiro.
"Além disso, verificou-se tratar de documentos com textos padronizados,
possivelmente já disponibilizados pela própria editora, revelando um modus operandi em
outros municípios. No Processo de Auditoria Especial de Vertentes nº 24101334-3, que
analisou a Inexigibilidade nº 002/2024 do município de Vertentes, foram identificadas as
mesmas irregularidades em um processo montado com base em documentos semelhantes.
(...)
Os documentos citados no parágrafo anterior são reproduções dos textos de
documentos apresentados pela empresa, constantes no Processo de Auditoria Especial de
Vertentes nº 24101334-3 (Doc. 13, pág. 36 a 38 - Justificativa Técnica para Inexigibilidade de
Licitação) e (Doc. 13, pág. 39 a 43 - Justificativa da Inexigibilidade de Licitação). Ou seja, a
empresa que forneceu os textos tanto da Justificativa Técnica para Inexigibilidade quanto da
Justificativa da Inexigibilidade. As respectivas justificativas constantes no Processo de
Auditoria Especial de Vertentes nº 24101334-3 estão acostadas aos autos (Doc. 32, pág. 36 a
38 e pág. 39 a 43).
Considerando o conteúdo da documentação do processo de inexigibilidade,
constata-se que não houve qualquer análise desta e de outras alternativas por alguma equipe
técnica da Prefeitura, bem como acerca das reais necessidades e benefícios da iniciativa".
Um dos materiais dos kits adquiridos pela Prefeitura de Buíque foi analisado pelos auditores do TCE. Segundo eles, o livro em questão apresentava fortes indícios de elaboração do conteúdo por meio de Inteligência Artificial, imagens com divergências em relação ao seu texto, dentre outras falhas consideradas graves.
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| Imagem: Reprodução/ Relatório de Auditoria TCE-PE |
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| Imagem: Reprodução/ Relatório de Auditoria TCE-PE |
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| Imagem: Reprodução/ Relatório de Auditoria TCE-PE |
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| Imagem: Reprodução/ Relatório de Auditoria TCE-PE |
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| Imagem: Reprodução/ Relatório de Auditoria TCE-PE |
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| Imagem: Reprodução/ Relatório de Auditoria TCE-PE |
"Cumpre salientar que o Diretor Executivo da editora, o Sr. Raffael Camano Sá, é
também autor de diversos livros da editora, de temas variados. Assim como seus irmãos são
autores de outros títulos disponíveis no site da empresa. Verificam-se obras que apresentam
deficiências como a aqui analisada e que vêm sendo massivamente oferecidas a prefeituras,
sobretudo do Nordeste. (...)
Diante dos múltiplos indícios de fraude na inexigibilidade em análise, conclui-se
comprometida a lisura da contratação da Editora Camano Sá, o que representa grave risco de
malversação e desperdício de recursos do erário municipal"
Constatou-se, ainda, a ausência de um Estudo Técnico Preliminar que justificasse a aquisição, por parte da Prefeitura de Buíque, destes livros e kits de saúde bucal. O pregoeiro do município, em resposta aos auditores, apresentou um documento que trazia uma justificativa pedagógica para que tais kits fossem adquiridos à rede municipal de ensino.
"Mesmo considerando a documentação apresentada através do ofício CPL nº 001/2025,
“Justificativa Pedagógica para adoção do Projeto “Vamos aprender mais sobre saúde bucal”
na rede pública de ensino da Prefeitura de Buíque-PE” (Doc. 29), como representação do
Estudo Técnico Preliminar - ETP, analisando este documento juntamente com as demais
justificativas apresentadas no processo de inexigibilidade (Doc. 03, pág. 25 a 32), verificou-se
que não houve o devido planejamento de aplicação dos materiais, eles foram adquiridos sem
apresentar uma proposta técnica e plano para distribuição e aplicação dos kits.
Também não foi realizada a análise de nenhuma outra alternativa, embora haja
diversas disponíveis no mercado, inclusive materiais gratuitos (no caso, poderia ser necessária
a contratação de gráfica para impressão).
Foram levantados questionamentos sobre a real necessidade e eficácia da iniciativa
proposta, considerando o objeto da licitação.
Embora a educação sobre cuidados com a saúde
bucal seja importante, é vital avaliar se os recursos públicos, que são limitados, não poderiam
ser mais bem alocados em áreas que necessitam maiores custeios e investimentos, bem como
áreas educativas que sejam mais econômicas e eficazes", diz o relatório.
Não bastassem as irregularidades apontadas desde a elaboração à execução do contrato, também foram constatadas irregularidades no controle de entrada e saída dos kits adquiridos. Em fevereiro deste ano, os auditores do TCE elaboraram um questionário para investigar quem teria sido responsável por isso.
O servidor apontado como fiscal e gestor do contrato em questão reforçou que desconhecia o fato de seu nome estar atrelado a estas funções e disse que "como a mercadoria seria
guardada na Secretaria de Saúde do município, apenas recebeu o caminhão de entrega da
mercadoria e encaminhou para a Secretaria de Saúde, não acompanhando o descarregamento
e entrada das mercadorias no depósito da saúde".
A servidora apontada como a que recebeu a carga destes kits na Secretaria de Saúde disse aos auditores que "apenas ofereceu parte do seu depósito para a guarda da
mercadoria, tendo em vista que não havia espaço suficiente no depósito da Saúde Bucal, não
sendo, portanto, responsável pela entrada e saída dos kits". Também disse que, entre janeiro e fevereiro deste ano, um caminhão da Editora Camano Sá teria ido até o depósito e recolhido parte da mercadoria, não havendo nenhuma recontagem da mercadoria entregue e que, "a partir de novembro de 2024, resolveu anotar, por conta
própria, a saída dos materiais que eram entregues ao pessoal da saúde bucal".
Os auditores também ouviram a Coordenadora da Saúde Bucal de Buíque, sua auxiliar e a atual Secretária Municipal de Saúde.
Dayane Mendonça Cavalcanti informou que, "no momento do
recebimento da mercadoria, não havia ninguém da saúde bucal para receber, e como também o depósito não comportava a quantidade de material recebido, foi solicitado o depósito geral
da Secretaria de Saúde". Ela não tinha nenhuma informação sobre o controle de entrada e saída
dos kits.
Quanto à distribuição dos Kits nas escolas e nas UBSs, informou que era feita apenas
pelo pessoal da saúde, que não havia um controle individual por beneficiário em cada entrega,
apenas um controle coletivo da quantidade total entregue por unidade recebedora, e, quando
sobravam kits, eram devolvidos para o depósito ou utilizados em outras campanhas.
Sua auxiliar, Rafaelly Gallindo, não soube informar quem era responsável pelo recebimento da mercadoria, mas que sabia que ela pertencia à Saúde Bucal e que que foi guardada no depósito geral da Saúde pro falta de espaço. Disse ainda que "a responsabilidade da distribuição dos kits era do pessoal da
saúde bucal, eles entregavam nas escolas e UBSs, mas não tinham um controle
individualizado, apenas um controle coletivo de cada atividade que realizavam, na qual eram
distribuídos os kits". Questionada sobre o recolhimento de parte dos kits pelo caminhão da empresa contratada, ela não soube informar.
Já Michelle Monteiro, que é Secretária de Saúde de Buíque desde o dia 02 de janeiro, informou em fevereiro aos auditores não ter conhecimento sobre a entrada e saída das
mercadorias e que, até aquele momento, ainda não
haviam sido distribuídos kits.
Visitas foram feitas em três UBSs municipais e na Creche Irmã Ódila para averiguar a situação da entrega dos kits adquiridos nestes locais. Nenhuma das unidades fez qualquer procedimento de controle de recebimento e entrega.
"Assim demonstra-se a ineficiência nos controles de entrada e saída do material
recebido, revelando um controle ineficaz, desigual, além de tornar difícil a avaliação do
impacto e da eficácia do programa de saúde bucal (...)
Conforme informado, quando da auditoria “in loco”, a mercadoria relativa ao total
anulado referia-se aos kits que seriam distribuídos aos pais, e foram devolvidas à empresa.
Ora, se houvesse um devido planejamento anterior à abertura do referido processo
licitatório, não seria adquirida uma quantidade maior que a necessária.
Ademais, a devolução de produtos e anulação de valor empenhado demonstra a total
ausência de um plano estratégico que aborde a logística de recebimento e distribuição dos
produtos; infraestrutura inadequada; deficiência na coordenação; políticas de regulamentos
insuficientes, entre outros problemas, abalando a confiabilidade do programa"
Arquimedes Valença, ex-prefeito de Buíque, foi apontado na auditoria como responsável pelo não envio das informações referentes ao contrato no sistema RemessaTCEPE. Aqui é defendido que seja aplicada uma multa a ele entre R$ 5 mil e R$ 50 mil pelo ato de gestão ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que resulte injustificado dano à
Fazenda.
Já sua filha Teófila, ex-secretária municipal de Saúde, foi apontada com responsável por cinco das irregularidades trazidas no relatório de auditoria. Aqui é defendido que seja aplicada uma multa a ela entre R$ 5 mil e R$ 50 mil pelo ato de gestão ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que resulte injustificado dano à
Fazenda.
A indisponibilidade de informações no Portal da Transparência municipal foi a única irregularidade em que não houve nenhum responsável apontado.
Também é defendido no relatório de auditoria que se dê ciência ao atual Prefeito de Buíque do seguinte:
- A conduta do gestor quanto a falta de atualização periódica das informações no Portal de
Transparência, as quais refletem a realidade das operações municipais, contrariou o princípio
da publicidade administrativa estabelecido no artigo 37 da Constituição Federal.
- A conduta do gestor responsável em não formalizar a nomeação do fiscal do contrato
relativo aos processos licitatórios abertos, emitindo as devidas portarias e garantindo que
essas portarias definam claramente as atribuições e responsabilidades do fiscal do contrato,
contrariou os artigos 7 e 117, da Lei Federal no 14.133/2021 e artigo 9o da Resolução TC no
236/2024.
As defesas de Arquimedes e Teófila
Em defesa prévia enviada ao TCE, o advogado de Arquimedes e Teófila Valença disse que seus clientes não podem ser responsabilizados pelas irregularidades apontadas no relatório de auditoria, reforçando a tese de que o formato de contratação e os kits adquiridos se adequavam às necessidades da Secretaria de Saúde de Buíque.
"Importante destacar que A ESCOLHA DE DETERMINADO
MATERIAL DIDÁTICO, EM DETRIMENTO DE OUTROS EXISTENTES
NO MERCADO, ENCONTRA-SE NO ÂMBITO DO MÉRITO
ADMINISTRATIVO, do qual não se pode exercer juízo de valor. Sob este aspecto, o
material foi analisado tecnicamente, concluindo a administração pública que o material era o
único que se adequava aos seus anseios (...)
Em síntese, quanto à escolha do material didático, por parte da
Secretaria de Educação e Saúde, encontra-se no âmbito do mérito
administrativo. Portanto, a opção pela contratação via inexigibilidade se baseou na exclusividade de comercialização do material didático mais
adequado aos anseios da administração pública, cuja análise de valor,
quanto à escolha, não poderia ser efetuada por este TCE/PE.
Ademais, quanto à existência de pregões, citados no RA, para
aquisição de materiais didáticos ligados à saúde bucal, a equipe técnica do
TCE não comprovou que estes materiais eram os mesmos adquiridos pela
Prefeitura de Buíque, considerando a justificativa para a aquisição
específica. Portanto, não necessariamente, com a realização do pregão, se
garantiria a aquisição das obras didáticas consideradas necessárias ao
interesse da Prefeitura de Buíque", completou o advogado Eduardo Henrique Teixeira Neves, que repetiu a argumentação de que os kits adquiridos por Buíque tinham qualidade superior aos de Tamandaré (município utilizado para comparação de preços naquela Medida Cautelar do ano passado), razão pela qual os preços se justificariam.
Sobre a nomeação considerada irregular do servidor para gestor e fiscal do contrato, o advogado argumentou que "não se pode considerar que não houve a designação formal do
fiscal do contrato. Isto porque, havia a previsão no TR e no Edital de que as ações de
fiscalização seriam exercidas pelo servidor Itamar Nunes. O fato de não haver sido
apresentada a sua portaria de nomeação não conduz à conclusão de que não havia a efetiva
fiscalização da avença. A mera ausência de tal documento, materialmente, trata-se de vício
puramente formal, que também não justificaria a irregularidade deste processo" e que a auditoria não apontou qualquer ato que o fiscal não teria cumprido.
Quanto à irregularidade sobre o sistema RemessaTCEPE, a única em que Arquimedes foi apontado como responsável, o advogado disse que "não seria razoável exigir do Gestor Municipal que fosse o
responsável pelo gerenciamento e envio de processos licitatórios ao RemessaTCE,
considerando que as suas funções não abrangiam o monitoramento e gestão desse sistema", não podendo assim ser multado por causa de um ato que não teria cometido ou do qual não possuía qualquer gerência.
Sobre os indícios de montagem de processo de inexigibilidade, foi dito pelo advogado de Teófila que tais achados não eram aptos para se chegar a esta conclusão, já que, diferente de um processo licitatório, esse tipo de contratação costuma ser feito de forma mais simples e, consequentemente, mais rápida. Ele ainda minimizou o fato de um dos livros adquiridos pela Prefeitura de Buíque ter apresentado indícios de conteúdo produzido por IA, defendendo que o conteúdo era apto para o público-alvo:
"O fato dos materiais haverem sido criados por IA, ou pelos próprios sócios da
empresa, NÃO POSSUI RELEVÂNCIA PARA O FIM PÚBLICO A QUE SE DESTINOU A
CONTRATAÇÃO. O material foi analisado e seu conteúdo considerado apto para ser
divulgado para alunos e seus pais, com a finalidade de abordar o tema saúde bucal nas
escolas, independentemente da forma como foram confeccionados."
Quanto à não elaboração do Estudo Técnico Preliminar que justificasse a aquisição dos kits de saúde bucal, o advogado defendeu a legalidade da Justificativa Pedagógica utilizada pela Secretaria de Saúde:
"É evidente, portanto, que havia a informação de que o material se
destinava à implementação de programa de saúde bucal no âmbito das
escolas municipais de Buíque. A inexistência de um plano detalhado da
distribuição desse material não seria documento indispensável à contratação
via inexigibilidade.
Tratava-se de documento afeto à própria dinâmica e cotidiano dos
gestores envolvidos na efetiva distribuição dos kits nas escolas. Não há,
portanto, que se concluir que, em decorrência da inexistência desse plano
detalhado, haveria ineficiência da contratação.
E, ainda, sobre a escolha do material, conforme exaustivamente
delineado acima, trata-se de mérito administrativo, não podendo ser
caracterizada como irregularidade apta a ensejar o julgamento pela rejeição
do objeto desta auditoria especial. Ainda que não acolhida essa
argumentação, tal fato deveria ser alocado apenas como determinações aos
gestores, conforme precedentes acima citados".
Já quanto às falhas no controle de recebimento e fiscalização dos kits recebidos, foi defendido pelo advogado que a multa sugerida a Teófila Valença seja afastada, deixando apenas no campo das recomendações para a adoção de medidas que melhorem o controle de materiais didáticos contratados.
A relatoria deste processo de auditoria especial será do Conselheiro Marcos Loreto: o mesmo que ficou responsável pela Medida Cautelar concedida em parte pela suspensão deste contrato no ano passado.