Por William Lourenço
A barra está cada vez mais pesada para Jair Bolsonaro. Melhor dizendo, o Barra.
O Presidente da República, mais uma vez, expele seus excrementos verbais desnecessariamente. Ao criticar sem qualquer fundamento lógico a vacinação de crianças contra a COVID-19, ele resolveu dizer que os integrantes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) teriam "interesses" que não foram explicados para essa aprovação no Brasil. O que ele não contava é que o diretor-presidente do órgão, Antônio Barra Torres, fosse respondê-lo. E num tom bem alto.
Acima está a reprodução integral da nota emitida por seu gabinete, mas eu vou aqui destacar alguns trechos para que possamos entender melhor, bem como o contexto.
Resumidamente, Barra Torres disse que se Bolsonaro tinha alguma informação de qualquer indício de corrupção envolvendo ele ou qualquer membro da ANVISA, que não perdesse tempo e determinasse a investigação imediata, sob risco de responder por prevaricação. Caso ele não tivesse essas informações (o que não tem), que tivesse pelo menos a grandeza de se retratar perante ele. E assim, ele encerra a nota:
"Estamos combatendo o mesmo inimigo e ainda há muita guerra pela frente. Rever uma fala ou um ato errado não diminuirá o senhor em nada. Muito pelo contrário"
Antonio Barra Torres tem 57 anos. Nascido no Rio de Janeiro, é formado em Medicina pela Fundação Técnico Educacional Souza Marques (FTESM) e ingressou na Marinha do Brasil em 1987. Sua última promoção antes de assumir o comando da ANVISA foi como Contra-Almirante. Esse posto faz parte da categoria de Oficiais Generais, sendo um dos maiores graus hierárquicos dentro da Marinha (primeiro escalão). Somente a título de comparação, Jair Bolsonaro foi promovido (de uma forma suspeita e já de conhecimento público) a Capitão, posto dentro da categoria de Oficiais Intermediários do Exército (terceiro escalão). Saiba mais sobre Postos e Graduações no site da Marinha do Brasil
Ou seja, hierarquicamente, nesse contexto militar, Bolsonaro é inferior a Barra Torres, que sabe disso e resolveu responder, ainda que por meio de nota, o Presidente à altura.
Não bastasse isso, o cargo de Diretor-Presidente da ANVISA tem mandato de cinco anos. Como Barra Torres entrou em 2019, indicado por Bolsonaro, ele está garantido até 2024. E por mais que ele tenha ficado ao lado do capitão em 2020, naquelas aglomerações e manifestações lamentáveis no Palácio do Planalto, me parece que sua consciência e a mancha que tal postura de desprovidos de inteligência causaria em sua reputação e carreira, se mantida, pesaram para que ele seguisse ao pé da letra aquilo que Bolsonaro havia prometido ao indicá-lo: um trabalho técnico, independente de política.
Barra Torres ainda fez questão de esfregar na cara de Bolsonaro a hipocrisia do chefe do Executivo sobre três pautas que ele sempre traz à tona para manter seus apoiadores: sobre os militares (afinal, como já disse, ele é Contra-Almirante da Marinha), sobre os médicos (afinal, ele é um também e toda vez que Bolsonaro tenta colocar em cheque a credibilidade dessa classe, ele é diretamente ofendido também) e sobre os cristãos (citando um dos Dez Mandamentos, que diz que não se deve levantar falso testemunho).
E vamos repetir a última linha da nota:
"Rever uma fala ou um ato errado não diminuirá o senhor em nada. Muito pelo contrário"
Depois de hoje, é inegável dizer que Antonio Barra Torres e a ANVISA não diminuíram em nada. Se comparados a Jair Bolsonaro, que se faz mais nanico a cada dia perante os brasileiros, eles cresceram e muito.