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Num mundo onde todas as coisas estão sendo feitas de forma muito rápida, incluindo as relações humanas, como se comportar? É esse o assunto desta Coluna de Opinião (Foto de Zaksheuskaya para Pexels) |
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AVISO AOS LEITORES: ao contrário de nossas reportagens, a Coluna de Opinião traz, como o próprio nome já diz, a opinião de quem a escreve sobre fatos concretizados, não representando necessariamente um posicionamento oficial do Podcast Cafezinho com William Lourenço, enquanto veículo de imprensa (emitido somente por meio de nossos Comunicados Oficiais e Editoriais).
Por João Gabriel Silva
Estamos em um momento marcado pela rapidez, pela instabilidade e pelo descarte — e o amor, inevitavelmente, também foi moldado por essas características. Amar, hoje, muitas vezes se assemelha a um jogo em que substituições são feitas diante da primeira dificuldade, sem espaço para a paciência ou o amadurecimento dos vínculos.
O sociólogo Zygmunt Bauman capturou com precisão essa nova dinâmica ao criar o conceito de amor líquido.
Com essa expressão, ele descreveu as relações afetivas contemporâneas como frágeis, incertas e de curta duração, que se sucedem umas às outras sem qualquer perspectiva de futuro, vivendo-se apenas a superfície de qualquer experiência.
Não há dúvida de que essa liquidez representa um enorme desafio para quem ainda deseja conexões profundas, consistentes e verdadeiramente significativas, que tragam planos e perspectivas compartilhadas.
Em uma sociedade que exalta de forma extremada a independência individual e considera a liberdade pessoal quase sagrada, muitos veem o compromisso como algo ameaçador.
A ideia que se difunde é a de que estar só significa aproveitar tudo que a vida tem a oferecer: aventuras sexuais, diversão sem limites e a vida livre de compromissos com alguém. Entretanto, relações duradouras exigem uma porção considerável de exposição do seu eu real — algo que poucos estão dispostos a abraçar, o medo de ser usado e descartado faz com que se esconda suas vulnerabilidades, todos querem apenas exaltar suas “qualidades”, mesmo que isso signifique ser quem não é.
A explosão dos aplicativos de namoro, somada à cultura das redes sociais e ao consumo imediato, consolidou uma mentalidade de constante substituição: se algo não agrada ou causa desconforto, simplesmente partimos para o próximo. Isso alimenta vínculos frágeis, que desmoronam diante do primeiro obstáculo.
Bauman foi direto em sua análise: os relacionamentos assumiram o comportamento dos produtos de consumo, sendo descartados assim que perdem a capacidade de proporcionar satisfação instantânea, busca-se desenfreadamente por prazer sem consequências, porém isso é impossível.
Não obstante, ao evitarmos riscos e profundidade, também acabamos perdendo algo maior: a chance de criar vínculos autênticos e duradouros, de encontrar algo pelo qual valha a pena lutar.
Sob a superfície dessa busca por conexões instantâneas e descomplicadas, existe um medo ainda mais profundo — o temor de se tornar emocionalmente dependente e sofrer ao confiar no outro, especialmente quando o outro não está na mesma sintonia ou disposto a se adaptar. No entanto, vínculos sólidos não acontecem do nada; são frutos de paciência, diálogo e disposição para enfrentar as inevitáveis tempestades do caminho, pois são as adversidades que fortalecem os laços.
Persistir na superficialidade nos deixa em um estado de vazio afetivo: por mais que acumulemos contatos e trocas rápidas, é na qualidade das relações que reside nosso verdadeiro preenchimento — mesmo sabendo que esse preenchimento nunca será completo. Como dizia Jacques Lacan: somos seres de falta.
Outro ponto importante está no impacto das redes sociais sobre nossas expectativas. O constante bombardeio de imagens editadas e vidas aparentemente perfeitas cria uma armadilha perigosa: passamos a desejar parceiros igualmente impecáveis, sempre leves, disponíveis e irretocáveis — ou seja, meras idealizações criadas para vender uma imagem que não está ao alcance de todos, mas esse ideal é impossível.
Nenhuma relação real consegue corresponder a tais expectativas.
A idealização jamais corresponderá à realidade, e o resultado disso é um ciclo vicioso: as frustrações levam ao afastamento, reforçando a ideia de que vínculos consistentes não têm lugar no mundo atual. Soma-se a isso o fato de que as pessoas cada vez mais tentam evitar, a todo custo, a frustração — e nisso perdem a oportunidade de aprender com ela.
Porém, a liquidez não precisa ser uma sentença final.
Ainda há espaço para cultivar relações mais sólidas e profundas, mesmo em um cenário marcado pela instabilidade. Vínculos fortes demandam coragem — força para lidar com as imperfeições do outro e também com as nossas próprias, e aprender a conviver com as particularidades de cada um.
Deste modo, vale a pena repensar nossa forma de nos conectar. Se desejamos relações mais consistentes, é essencial resgatar o valor do tempo dedicado, da escuta atenta e da entrega verdadeira. Escolher amar com profundidade em tempos tão líquidos é um ato revolucionário.
Amor não é sobre expectativas irreais nem sobre garantias de felicidade instantânea, tampouco sobre idealizações fabricadas.
É um projeto contínuo, uma construção que desafia e enriquece nossas vidas quando nos lançamos rumo ao encontro com o outro, abertos a sentir e viver. Afinal, é na imperfeição que, muitas vezes, reside a essência do que há de mais humano e transformador no amor. Amar é uma arte que exige certo esforço — mas vale ressaltar: nem todo amor vale a pena.
Se ele machuca, diminui, humilha ou causa dor, isso deixou de ser amor e tornou-se outra coisa. É preciso ser autêntico ao se arriscar a amar.
Amar verdadeiramente, é, hoje, nadar contra a corrente.
Em tempos líquidos, é arriscar a ser real e um mundo idealizado, mas vale lembrar, nem todo amor vale a pena, mas os que valem exige presença, paciência e autenticidade.
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