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O Conselheiro Dirceu Rodolfo de Melo Junior, do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, concedeu parcialmente nesta segunda-feira, em decisão monocrática, uma Medida Cautelar solicitada pelo Ministério Público de Contas (MPC) contra um pregão eletrônico realizado pela Prefeitura de Buíque, no agreste, que contratou a empresa R. J. Nascimento Araújo Serviço de Locações e Eventos Ltda. por R$ 2.621.070,00 (dois milhões, seiscentos e vinte e um mil e setenta reais) para prestar serviços de locação de estrutura e montagem de equipamentos de sonorização das festividades públicas realizadas pelo município por doze meses. O pregão ocorreu em fevereiro deste ano, mês em que foi realizado o Carnaval. Decisão será levada a julgamento nesta segunda-feira na Segunda Câmara, onde conselheiros decidirão pela sua homologação, mas medidas seguem em vigor até lá.
O prefeito Túlio Monteiro e o secretário municipal de Turismo, Rodrigo Carvalho, são citados como responsáveis pelos indícios de irregularidades encontrados pelo MPC e pela equipe técnica do TCE no processo. Dentre as supostas irregularidades apontadas, está o sobrepreço na realização do pregão, que tinha um valor prévio orçado em pouco mais de R$ 2,8 milhões, sendo que só foram gastos R$ 478.010,00 (quatrocentos e setenta e oito mil e dez reais) na realização do Carnaval: o equivalente a 18,24% do total orçado.
Teor do Parecer Técnico
O Ministério Público de Contas havia apresentado as seguintes inconsistências no pregão realizado pela Prefeitura de Buíque, que foram analisadas em Parecer Técnico emitido antes do Conselheiro Dirceu Rodolfo decidir pela concessão parcial da Medida Cautelar:
a) As cotações consideraram apenas uma única unidade de cada item, desprezando à economia de escala que existe em contratações de maiores volumes;
b) Houve repetição da coleta de preços de um mesmo fornecedor para o mesmo item em 9 dos 26 itens licitados (mais de 1/3 do total);
c) Em alguns casos onde houve duplicidade de cotação do mesmo fornecedor, os preços unitários divergiram consideravelmente, mesmo sendo da mesma empresa, para o mesmo item e mesma quantidade.
Tais inconsistências teriam resultado em preços de referência muito acima dos valores de mercado, gerando assim o sobrepreço. A repetição de cotações do mesmo fornecedor teria, dentre outras coisas, comprometido a fidedignidade da pesquisa de preços e também a economicidade da contratação.
O parecer técnico concordou com esta alegação:
"No entanto, a repetição de cotações do mesmo fornecedor para o mesmo item, com preços divergentes, sem justificativa clara, constitui falha no processo de pesquisa de preços, contrariando o princípio da eficiência e da economicidade. É importante ressaltar que, mesmo no contexto do SRP, a Administração deve buscar a proposta mais vantajosa, o que inclui considerar a possibilidade de economia de escala quando houver previsão de contratação de quantidades significativas. Nesse sentido, o Tribunal de Contas da União (TCU) tem entendimento consolidado de que a pesquisa de preços deve refletir o mais fielmente possível os preços praticados no mercado, considerando as especificidades da contratação".
O TCU instrui que a pesquisa de preços deve ser a mais ampla possível, com o máximo de preços e fornecedores possíveis para consulta. Tal prática, quando não é atendida, pode constituir uma falha que contraria o princípio da eficiência e da economicidade (aquela contratação mais vantajosa à administração pública).
"Vale ressaltar ainda que, a utilização de uma miscelânea de fontes de diferentes regiões do país, sem as devidas adaptações necessárias para adequar as respectivas composições de custos às particularidades do serviço almejado no município de Buíque/PE, compromete significativamente a fidedignidade da cotação de preços pelos seguintes motivos:
A. Distorção na formação do preço médio: Ao combinar preços de regiões com custos operacionais significativamente diferentes (como Sul e Nordeste), obtém-se uma média que não representa adequadamente a realidade de mercado da região onde o serviço será efetivamente prestado;
B. Desconsideração de particularidades locais: A cotação não considera adequadamente fatores específicos do município de Buíque/PE, como distância dos grandes centros fornecedores, condições de acesso, disponibilidade de mão de obra especializada e infraestrutura local;
C. Ausência de ponderação regional: Não há evidências de que tenha sido aplicado qualquer fator de correção ou ponderação para ajustar os preços obtidos em diferentes regiões à realidade local de Buíque/PE;
D. Inconsistência metodológica: Embora o tratamento estatístico aplicado (Média Saneada, Desvio Padrão e Coeficiente de Variação) seja tecnicamente adequado para reduzir o impacto de valores extremos, ele não corrige a distorção fundamental causada pela diversidade regional das fontes", diz parte do Parecer Técnico do TCE.
Tal falha na metodologia efetuada pela Prefeitura de Buíque, de acordo com o documento, só corrobora a tese de sobrepreço levantada pelo MPC, que chegou a comparar com um pregão feito pela Prefeitura de Itaíba, que havia sido vencido pela mesma empresa. Os preços eram diferentes.
"Desta forma, conclui-se pela procedência parcial dos fatos alegados, uma vez que, embora a metodologia de cotação por unidade seja tecnicamente aceitável para o Sistema de Registro de Preços, a repetição de cotações do mesmo fornecedor para o mesmo item, com preços divergentes, sem justificativa clara, constituindo falha no processo de pesquisa de preços, bem como, a ausência de regionalização das fontes de cotação, que compromete significativamente a fidedignidade dos preços estimados"
Já quanto ao suposto valor do sobrepreço neste pregão, o MPC alegou que pelo menos 16 dos 26 itens licitados apresentavam diferenças de até 49% a mais nos valores contratados, resultando num sobrepreço de R$ 625.417,98 (seiscentos e vinte e cinco mil, quatrocentos e dezessete reais e noventa e oito centavos). Já quando comparado com o pregão de Itaíba, os preços de Buíque estavam, em média, 71,27% maiores, resultando num sobrepreço estimado de R$ 739.100,00 (setecentos e trinta e nove mil e cem reais). O limite de tolerância estipulado pelo TCU nestes casos é de 10% a 15%.
A defesa da Prefeitura de Buíque chegou a questionar a metodologia adotada pelo MPC para estes cálculos, principalmente na comparação com os preços do pregão de Itaíba (município que fica no Agreste e é próximo de Buíque), o que não foi acolhido no Parecer Técnico:
"No caso em análise, verifica-se que a metodologia adotada pelo MPCO para o cálculo do sobrepreço é tecnicamente adequada e alinhada com a jurisprudência do TCU. A seleção de contratações similares como parâmetro de comparação, observando critérios de identidade de objeto, quantidade, localização geográfica e temporalidade, é uma prática reconhecida e aceita para a identificação do sobrepreço.
Quanto ao argumento da defesa de que a metodologia não seria aplicável ao Sistema de Registro de Preços, cabe ressaltar que, embora o SRP possua particularidades, isso não afasta a necessidade de que os preços registrados sejam compatíveis com os preços de mercado. A jurisprudência do TCU é clara nesse sentido, como se observa no Acórdão no 1.285/2015-Plenário.
A comparação com o Pregão de Itaíba, em particular, apresenta características que reforçam sua relevância como parâmetro, ou seja, identidade de objeto, mesma empresa vencedora, proximidade temporal e geográfica. O argumento da defesa de que à comparação não seria confiável devido à diferença temporal entre os pregões (novembro/2024 para Itaíba e início de 2025 para Buíque) não se sustenta, considerando a proximidade das datas e a ausência de eventos econômicos extraordinários nesse período que pudessem justificar uma variação tão expressiva de preços (71,27%)".
O Parecer Técnico concordou com a tese do periculum in mora apresentado pelo MPC (uma vez que a maior parte do valor do pregão ainda não havia sido paga pela Prefeitura de Buíque) e a do risco de dano reverso apresentado pela Prefeitura (uma vez que a suspensão integral poderia afetar a realização de festividades juninas, impactando na economia municipal, e que o contrato do Carnaval já foi executado), defendendo a concessão parcial da Medida Cautelar.
A defesa da Prefeitura de Buíque
O advogado Eduardo Henrique Teixeira Neves, que comumente representa a Prefeitura de Buíque perante o TCE, disse que não era o caso de se conceder a medida cautelar por, segundo ele, não ter ocorrido qualquer irregularidade. Defendeu que não ocorreu sobrepreço no pregão analisado, reforçando a tese de que a metodologia adotada pelo MPC para cálculo do suposto sobrepreço era incorreta e que o órgão não conseguiu comprovar o suposto dano ao erário ou risco de dano que viesse a justificar a concessão de uma Medida Cautelar:
"Inegável a utilidade das medidas cautelares para evitar lesão grave ou de difícil reparação ao erário, em virtude de conduta lesiva à ordem jurídica ou ao patrimônio público. Contudo, tais condutas não se encontram configuradas na atuação do Município de Buíque, em relação à condução do Pregão 03/2025, não havendo se falar na concessão da medida cautelar nos presentes autos".
A decisão do Conselheiro Dirceu Rodolfo
Em sua decisão monocrática, o Conselheiro Dirceu Rodolfo de Melo Junior concordou com os argumentos de sobrepreço apresentados pelo Ministério Público de Contas e pelo Parecer Técnico do TCE:
"A fragilidade da cotação realizada pela Prefeitura de Buíque no Pregão Eletrônico nº 03/2025, associada à discrepância de valores outros certames com objeto similar, sugere a existência de sobrepreços na ata de registro de preços. Isto é, a grave falha na cotação dos preços conjugada com o registro dos preços em patamares muito maiores que os valores praticados na Prefeitura de Itaíba (71,27%), considerando o mesmo objeto; a mesma empresa vencedora; com a proximidade temporal e geográfica, evidencia fortes indícios de sobrepreço. Portanto, verifica-se que os indícios de sobrepreço identificados no pregão eletrônico são robustos e significativos, tornando-se imperativo que a gestão municipal se abstenha de realizar contratos derivados da ata de registro de preços, com o intuito de salvaguardar o erário, até que um procedimento interno a ser instaurado neste tribunal seja concluído para aprofundamento da matéria".
Contudo, o Conselheiro também levou em consideração a proximidade das festas juninas e a intenção da Prefeitura de Buíque em realizar festividades públicas neste período e destacou que a concessão integral da Medida Cautelar poderia trazer graves prejuízos sociais e financeiros à população:
"Em razão constatação do periculum in mora reverso, de forma excepcional e considerando as consequências práticas da decisão, a gestão poderá firmar contrato decorrente da Ata de Registro de Preços nº 05/2025 para contratar serviços estritamente necessários para a realização das festividades de São João, que deverão ser previamente justificadas e submetidas à análise do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco"
Com isso, ele concedeu parcialmente a Medida Cautelar, determinando de imediato que a Prefeitura de Buíque "se abstenha de efetuar novas despesas de contratos (ou firmar novos contratos e realizar novas despesas) derivados da Ata de Registro de Preços n. 05/2025, exceto aquelas estritamente necessárias para a realização das festividades de São João, até deliberação de mérito dessa Corte de Contas acerca da regularidade e da economicidade do certame".
A Diretoria de Controle Externo do TCE também recebeu as seguintes determinações:
a) A abertura de Procedimento Interno para analisar a legalidade e economicidade do Pregão Eletrônico n. 03/2025 - Processo Licitatório nº 10/2025 da Prefeitura Municipal de Buíque que originou a Ata de Registro de Preços n. 05/2025, cujo objeto é o registro de preços para futura e eventual contratação de empresa especializada para locação de estrutura e equipamentos de sonorização;
b) A abertura de Procedimento Interno para analisar possível sobrepreço/superfaturamento bem como identificar responsáveis nas despesas efetivamente executadas oriundas do Pregão Eletrônico n. 03/2025 da Prefeitura de Buíque, em razão do Contrato n. 88/2025 e em outros contratos oriundos desse pregão;
c) Acompanhar as despesas decorrentes da Ata de Registro de Preços n. 05/2025 em eventual utilização pelo município para realização das festividades juninas.
O Prefeito de Buíque, Túlio Monteiro, já foi comunicado da decisão monocrática do TCE e deverá cumpri-la. Nesta segunda-feira (02 de junho), a Segunda Câmara do TCE julgará a homologação desta Medida Cautelar. Os conselheiros poderão mantê-la em seus termos ou não homologar a decisão.