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Introdução e Esclarecimentos Pertinentes
O ex-prefeito de Buíque, Jonas Camelo Neto, está recorrendo no Tribunal de Contas da União de um acórdão proferido no ano passado que o multou em R$ 140 mil por irregularidades referentes à aplicação de recursos repassados pela União ao município do agreste pernambucano durante sua gestão, por meio do Fundo Municipal de Assistência Social, em 2013. Nesta mesma decisão, também havia sido determinado que Jonas devolvesse aos cofres públicos o montante de R$ 699.001,50 (seiscentos e noventa e nove mil e um reais e cinquenta centavos), valor atualizado até janeiro do ano passado e apontado como dano causado ao erário. O recurso ainda não tem data prevista para apreciação no TCU, pois depende de análise do relator: o Ministro Jorge Oliveira.
Para que se evitem quaisquer questionamentos impertinentes, inclusive jurídicos, quanto ao teor desta reportagem e à coleta das informações aqui trazidas, o Podcast Cafezinho com William Lourenço esclarece que solicitou em 30 de outubro deste ano o acesso aos autos deste processo junto ao TCU, via Lei de Acesso à Informação, deixando clara a intenção de que tais informações seriam utilizadas para a produção de uma reportagem neste site.
A solicitação, após análise da equipe técnica do TCU, foi encaminhada ao gabinete do Ministro Jorge Oliveira, relator do recurso de reconsideração movido por Jonas, que proferiu despacho no dia 17 de novembro pelo seu deferimento, reiterando que o processo citado é público e que há embasamento legal suficiente para o atendimento deste pedido de acesso à informação.
A Tomada de Contas Especial
O pedido de abertura da Tomada de Contas Especial no TCU foi feito pelo Ministério da Cidadania (atual Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome), em 2022. A pasta alegou que o ex-prefeito de Buíque, Jonas Camelo Neto, deixou de apresentar alguns documentos que comprovassem a regular aplicação dos recursos repassados pela União ao município, por meio do Fundo Municipal de Assistência Social, em 2013. O MDS é hoje o ministério que cuida, por exemplo, de programas de transferência de renda como o Bolsa Família. Na época da instauração da tomada de contas, a pasta informou ter repassado naquele ano R$ 473.900,00 (quatrocentos e setenta e três mil e novecentos reais) a Buíque via Fundo Municipal de Assistência Social para execução dos Serviços de Proteção Social Básica e Proteção Social Especial.
A Controladoria-Geral da União também havia se manifestado no processo, defendendo a irregularidade das presentes contas, tendo Jonas como responsável por ter sido prefeito à época e gestor destes recursos no município, e encaminhando sua auditoria ao MDS, que depois repassou ao TCU.
Foram apontadas as ausências do chamado Demonstrativo Sintético, assim como o Parecer do Conselho referente ao Demonstrativo Sintético exercício 2013, que deveriam ter sido enviados pelo gestor municipal ao MDS. Além disso, um parecer do Conselho Municipal de Assistência Social informou que os serviços/programas cofinanciados pela União não foram prestados à população de forma regular no ano de 2013.
Esta irregularidade teria provocado um prejuízo aos cofres públicos estimado inicialmente em R$ 361.948,63 (trezentos e sessenta e um mil, novecentos e quarenta e oito reais e sessenta e três centavos). Abaixo, as tabelas com todos os valores e as datas em que teriam sido feitas as transferências da União ao município:
Após a instauração do processo, foi efetuada a citação de Jonas Camelo Neto para que apresentasse sua defesa, mas ele não fez isso. Documentos acostados aos autos também mostram que, ainda no cargo de Prefeito de Buíque, Jonas recebeu ao menos três ofícios do Ministério do Desenvolvimento Social para sanar a irregularidade na documentação da prestação de contas. Os membros do Conselho Municipal de Assistência Social e até o ex-prefeito Arquimedes Valença (que o sucedeu em 2017 e ficou na Prefeitura até 2024) chegaram a receber ofícios para apresentar os documentos ausentes.
Antecipando qualquer questionamento futuro relacionado à prescrição, a auditoria do TCE disse que, no caso em questão, ela não ocorreu, afirmando que a tomada de contas estava devidamente constituída e em condição de ser instruída.
Por não ter respondido às notificações do TCU, mesmo elas tendo sido enviadas pelos Correios para sua residência, o julgamento do ex-prefeito foi feito à revelia na Segunda Câmara do órgão em 09 de julho do ano passado. Mesmo tendo sido explicado que a revelia não leva à presunção de que as imputações contra ele são verdadeiras (ao contrário do que ocorre na Justiça comum), "ao não apresentar sua defesa, o responsável deixou de produzir prova da regular aplicação dos recursos sob sua responsabilidade, em afronta às normas que impõem aos gestores públicos a obrigação legal de, sempre que demandados pelos órgãos de controle, apresentar os documentos que demonstrem a correta utilização das verbas públicas". Foram, então, colhidas as argumentações apresentadas por sua defesa na fase interna deste processo que, segundo seu exame técnico, não eliminaram as irregularidades apontadas, dizendo ainda que "não há elementos para que se possa efetivamente aferir e reconhecer a ocorrência de boa-fé na conduta do responsável, podendo este Tribunal, desde logo, proferir o julgamento de mérito pela irregularidade das contas" e que "as irregularidades consistentes em ausência dos documentos comprobatórios da despesa de programa do FNAS configuram violação não só às regras legais art. 70, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988; art. 93, do Decreto-lei 200; e arts. 9º, 10, § 2º, e 11 da Portaria MDS 625/2010, mas também a princípios basilares da administração pública. Depreende-se, portanto, que a conduta do responsável se distanciou daquela que seria esperada de um administrador médio, a revelar grave inobservância no dever de cuidado no trato com a coisa pública, num claro exemplo de erro grosseiro a que alude o art. 28 da LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro)".
O julgamento no TCU
Como já foi adiantado nesta reportagem, a Segunda Câmara do TCU julgou esta tomada de contas especial em 09 de julho do ano passado. Na ocasião, o relator foi o Ministro Augusto Nardes, que acolheu os argumentos da equipe técnica de que Jonas Camelo Neto não comprovou a devida aplicação dos recursos da União em Buíque via Fundo Municipal de Assistência Social, julgando tais contas como irregulares, aplicando-lhe multa e a imputação de débito:
"Com efeito, não há documentos comprobatórios das despesas realizadas com os recursos repassados para a execução dos programas do FNAS. Ao não apresentar sua defesa, o responsável deixou de produzir prova da regular aplicação dos recursos sob sua responsabilidade, em afronta às normas que impõem aos gestores públicos a obrigação legal de, sempre que demandados pelos órgãos de controle, apresentar os documentos que demonstrem a correta utilização das verbas públicas, a exemplo do contido no art. 93 do Decreto-Lei nº 200/1967: “Quem quer que utilize dinheiros públicos terá de justificar seu bom e regular emprego na conformidade das leis, regulamentos e normas emanadas das autoridades administrativas competentes”.
Mesmo as alegações de defesa não sendo apresentadas, a AudTCE, considerando o princípio da verdade real que rege esta Corte, procurou buscar, em manifestações do responsável na fase interna desta Tomada de Contas Especial, se havia algum argumento que pudesse ser aproveitado a seu favor, havendo concluído que os argumentos apresentados, constantes da peça 10, não elidem as irregularidades apontadas.
Como é cediço no âmbito deste Tribunal, a não demonstração do correto uso dos recursos públicos dá ensejo à presunção de desvio e dano ao erário, o que sujeita o gestor desses recursos a ter suas contas julgadas irregulares e a ser condenado ao ressarcimento do prejuízo apurado, sendo passível, ainda, a cominação de sanção punitiva.
Sendo assim, e não havendo elementos para que se possa aferir e reconhecer a ocorrência de boa-fé na conduta do responsável, pode o Tribunal, desde logo, proferir o julgamento de mérito pela irregularidade das contas, conforme estatui o Regimento Interno da Casa (art. 202, §§ 2º e 6º), e de acordo com pacificada jurisprudência da Corte.
Por fim, considerando que o valor atualizado do débito alcança a soma de R$ 699.001,50 na data de 16/1/2024 (peça 68), e que o responsável figura em diversos processos de TCE abertos nesta Corte para apurar irregularidades na aplicação de recursos públicos repassados pela União, com débitos a ele imputáveis registrados no sistema e-TCE, fixo a multa do art. 57 da Lei 8.443/1992 em, aproximadamente, 20% sobre o dano causado ao erário, isto é, R$ 140.000,00 (cento e quarenta mil reais)".
Os demais ministros concordaram com o voto do relator e julgaram tais contas como irregulares, aplicando a multa de R$ 140 mil a Jonas e obrigando-o a devolver aos cofres da União os quase 700 mil apontados como prejuízo ao erário. No acórdão, ficou aberta a possibilidade do político efetuar o pagamento parcelado em até 36 vezes, se assim quisesse. Também ficou definida a comunicação da decisão ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome e à Procuradoria da República no Estado de Pernambuco, para adoção das providências cabíveis. Ainda há a possibilidade destas cobranças serem feitas de forma judicial.
Atual situação do processo
Um dos sete advogados de Jonas cadastrados no sistema do TCU entrou com um recurso de reconsideração, para tentar alterar o acórdão e, assim, livrá-lo da obrigação de pagar a multa aplicada e de devolver os valores solicitados pela União. A justificativa foi a de que o então Prefeito não poderia ser responsabilizado pelos débitos tratados na tomada de contas, pois a Secretaria Municipal de Assistência Social é que era a responsável pela gestão do Fundo Municipal de Assistência Social. Uma lei municipal sancionada em maio de 2013 transferiu esta responsabilidade de Jonas para a então secretária da pasta, Chirley Viviane Pinto Paes. Ainda segundo o advogado de Jonas no recurso, "o prefeito não pode ser onisciente e onipresente e só poderia ser responsabilizado caso houvesse evidência de que praticou atos de gestão em relação aos recursos impugnados" e que deveria ser analisada uma eventual responsabilização da ex-secretária quanto à irregularidade apontada no processo.
Sobre esta responsabilização, a Unidade de Auditoria Especializada em Recursos do TCU considerou que a alegação da defesa de Jonas Camelo Neto deveria ser parcialmente aceita para que somente reduzissem os valores da multa e da imputação de débito aplicadas a ele posteriores à data da sanção da lei municipal (27 de maio de 2013):
"Entretanto, considerando que a referida lei foi editada em 27/5/2013 (peça 83, p. 1), os débitos anteriores à atribuição de competência ao Secretário Municipal feita pela Lei Municipal de Buíque/PE 295, de 27 de maio de 2013, no valor total histórico de 21.725,06, indicados a seguir, não podem ser afastados em relação ao recorrente (...)
No que tange ao argumento do recorrente de que, no plano de ação, para o cofinanciamento do Governo Federal, consta como gestora do fundo a Secretária Municipal de Assistência Social Chirley Viviane Pinto Paes (peça 2, p. 1), entende-se que não afasta sua responsabilidade, pois, no mesmo documento, o prefeito recorrente consta no campo 1.1"
O nome de Chirley Viviane Pinto Paes não foi mencionado em nenhum documento de nenhuma fase do processo de tomada de contas especial, com exceção do recurso de reconsideração apresentado pelo advogado de Jonas Camelo Neto. Tal argumentação poderia ter sido feita por ele na fase anterior à votação do acórdão, se o ex-prefeito não tivesse ignorado as notificações do TCU e deixado seguir o julgamento à revelia:
"Examinando as notas técnicas do MDS (peças 5, 15, 20, 24, 30 e 35), o Relatório de Tomada de TCE 70/2022 (peça 43), as instruções da unidade técnica (peças 54, 60 e 68) e o voto condutor do acórdão recorrido (peça 73), não se verifica menção à Secretária Municipal de Assistência Social à época, Senhora Chirley Vivianne Pinto Paes. Tendo em vista que já se passaram mais de dez anos dos fatos objeto desta TCE sem que nesse interregno tenha sido levantada a possível responsabilidade da recorrente, nem realizada a sua notificação ou citação, considera-se prescrita a pretensão punitiva do TCU e prejudicado o direito ao contraditório e ampla defesa da referida Secretária Municipal de Assistência Social"
O Ministério Público junto ao TCU emitiu parecer em que acolhe a análise da equipe técnica quanto ao recurso, discordando somente no valor que Jonas Camelo Neto deveria pagar de multa e da imputação de débito.
"No que tange ao débito, a Unidade Técnica identificou que, dos R$ 361.948,63 da condenação, R$ 340.223,57 representam o débito posterior à publicação da Lei Municipal n.º 295/2013, supostamente de responsabilidade da Secretária Municipal, enquanto R$ 21.725,06 representam o débito a ser mantido para ressarcimento pelo Sr. Jonas Camelo de Almeida Neto (...)
Todavia, no débito imputado no acórdão recorrido (peça 72), há parcelas anteriores a 27/5/2013 que foram desconsideradas pela AudRecursos, de maneira que sugeriremos sua correção conforme a proposta ajustada abaixo. Com a retificação, o valor do dano ao erário que remanesce sob a responsabilidade do ex-Prefeito é de R$ 101.914,93, e não R$ 21.725,06, como referido pela Unidade Técnica".
Sendo assim, para o MPTCU, a multa aplicada a Jonas ficaria em pouco mais de R$ 20 mil (mantendo o limite de 20% sobre o valor da imputação de débito) e ele teria que devolver aos cofres públicos o montante de R$ 101.914,93 (cento e um mil, novecentos e catorze reais e noventa e três centavos). Suas contas permaneceriam julgadas como irregulares.
O recurso, agora, está sob análise do Ministro Jorge Oliveira. Não há previsão de quando ele será julgado no TCU.





