OPINIÃO: A EXCEÇÃO DA VERDADE

 

Decisão judicial que condenou jornalista e jornal do Rio Grande do Sul a pagarem R$ 600 mil de indenização a desembargadora que se sentiu ofendida por ter seu supersalário, que é informação pública, divulgado reacende debate sobre censura ao trabalho da imprensa, a tentativa de blindagem de quem se acha autoridade das críticas decorrentes de seus atos públicos e também traz uma dúvida com este absurdo judiciário: pra que serve a Lei de Acesso à Informação se nem as informações públicas poderão ser compartilhadas? (Foto de beytlik para Pexels)

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AVISO AOS LEITORES: ao contrário de nossas reportagens, a Coluna de Opinião traz, como o próprio nome já diz, a opinião de quem a escreve sobre fatos concretizados, não representando necessariamente um posicionamento oficial do Podcast Cafezinho com William Lourenço, enquanto veículo de imprensa (emitido somente por meio de nossos Comunicados Oficiais e Editoriais).

Por William Lourenço

Figuras públicas ou que prestam serviço a entidades e autarquias públicas estão sujeitas a elogios e, principalmente, a críticas referentes a seus atos e funções que envolvam o interesse público.
No ano passado, levando em conta o contexto da eleição municipal, eu havia escrito uma Coluna de Opinião por aqui intitulada A diferença entre crítica e ofensa para iniciantes onde, dentre outras coisas, foram brevemente explicados os conceitos dos crimes contra a honra tipificados no Código Penal e de uma brecha chamada exceção da verdade (que dá o título desta Coluna).
Existem sim pessoas que exageram na dose quando visam criticar figuras públicas das quais têm antipatia e que partem para a sua desmoralização e desumanização perante a sociedade, com termos chulos, buscando atrelá-las a fatos sem apresentação de provas concretas e até expondo dados sensíveis e íntimos. Aqui cabe a aplicação da lei como está em vigor.
O problema é quando tal rigor passa a ser utilizado para blindar figuras públicas ou que prestam serviço a entidades e autarquias públicas de críticas pertinentes a atos que vão totalmente contra a moral, decência e interesse igualmente públicos.
Imagine num país como o nosso, tão desigual, onde um trabalhador comum precisa trabalhar nove horas por dia, durante cinco ou seis dias na semana, para receber um salário de pouco mais de R$ 1,5 mil mensais, você ter que ver que uma desembargadora, que tem uma carga horária bem menor que nosso peão, se esforça bem menos que ele e, por vezes, nem faz o expediente no Tribunal de Justiça, recebeu num só mês R$ 600 mil... É, no mínimo, imoral. No mínimo...
Mais do que isso: o salário dela é público, divulgado no Portal da Transparência do próprio TJ (pois a Lei de Acesso à Informação manda), a informação é compartilhada por um jornal por atender o princípio do interesse público (já que ela é membro do Poder Judiciário) e a engraçadinha se acha no direito de processar o veículo e a jornalista que escreveu a matéria por, supostamente, ter tido sua honra ferida. E ela ganha o processo. R$ 600 mil de indenização. Que conveniente, hein?
E detalhe: na decisão que deu ganho de causa à coitada da desembargadora, é dito que o jornal publicou dados verdadeiros, mas que, ainda assim, seria condenado.
Acreditem se quiser, mas isso aconteceu. No Rio Grande do Sul, nesta semana.
Pessoas mais furiosas chegaram a fazer, nas redes sociais, uma suposta ligação de amizade entre a juíza que proferiu esta sentença absurda com a autora do processo, o que, em tese, configuraria mais uma imoralidade. Eu não tenho nada a ver com isso e quem o fez, que se vire pra provar quando assim for exigido, mas aqui se percebe que nem mesmo a tal da exceção da verdade (também prevista no Código Penal) serve de porcaria alguma. Pelo contrário: tal preceito é simplesmente ignorado a depender de quem, enquanto figura pública, se diz ofendido e de quem, a depender da proximidade com a figura pública, irá fazer o julgamento. E pior: princípios constitucionais, que no papel são imutáveis, são excluídos na prática por arbitrariedades judiciais, como os da liberdade de imprensa, de expressão, da publicidade, de comunicação e do acesso à informação.
Prefeitos, vice-prefeitos, vereadores, governadores e seus vices, senadores, deputados (estaduais e federais), Presidente da República e seu vice, secretários (municipais e estaduais), ministros (de Estado e até de órgãos do Poder Judiciário), membros do Poder Judiciário e Ministérios Públicos (Estaduais e Federal), de autarquias e entidades públicas (municipais, estaduais e federal) podem e dever ser criticados, na dose certa, quando seus atos forem contra aquilo que se é exigido ao exercerem tais funções. Se não se entra no aspecto da ofensa pessoal, do ataque à intimidade ou mesmo da incitação a esse tipo de ataque, com o adendo de que o que é dito em desfavor destas pessoas já está público por órgãos oficiais (como um Tribunal de Justiça, por exemplo), não cabe a eles o direito de processar ninguém por isso.
O exercício do cidadão de fiscalizar as atividades dos funcionários públicos é, segundo a lei, um fundamento que prevê esta exceção da verdade. Quando, mesmo assim, tais indivíduos recorrem à Justiça para impedir a circulação destes fatos, há aqui um claro movimento de censura (vedado pela Constituição Federal) e uma tentativa de jogar uma barreira na fiscalização pública. E isso acontece até num município como Buíque...
Desde que comecei com esta empreitada, há mais de 5 anos, o que mais recebi foram mensagens de políticos e advogados fazendo suas gracinhas, numa tentativa ridícula de intimidação contra as reportagens publicadas por este site, como se estivessem falando com algum blogueiro ignorante e que não sabia o mínimo da própria atividade profissional. Seja das coisas relativas às prestações de contas, daqueles títulos de cidadania questionáveis às operações policiais que já ocorreram em determinadas secretarias (e que culminaram em demissões à época), nada é colocado aqui sem a devida conferência: confirmação com órgão oficiais, devido contexto dos fatos apurados, referência restrita do que está nos documentos que baseiam as matérias e, quando querem, manifestações oficiais daqueles nominalmente citados. Isso, em lugar nenhum do mundo, é difamar. Tampouco imputar falsamente crime a alguém. Nem termos chulos são usados pra se referir a pessoa alguma.
Por isso, toda vez que visam colocar em xeque a imparcialidade do site ao qual gerencio, entendo isso como uma ofensa direta à minha conduta enquanto profissional e até à minha honra enquanto indivíduo. Meu nome tá aqui. Nessa semana mesmo, eu tive de lidar novamente com uma pessoa que queria me proibir de falar sobre um assunto público no site. A esta pessoa, além da mensagem privada que enviei, fica também o aviso público: não só sua insinuação censória não será acatada por mim, como irei acioná-la judicialmente se eu receber novamente esse tipo de mensagem, seja nos canais do Podcast Cafezinho ou em meus perfis pessoais. Advogado, graças a Deus, não me falta pra entrar em contato.
Enfim, para encerrar esta longa Coluna, fazer jornalismo minimamente decente já era desgastante e estressante por si só. A magistrada gaúcha se achou no direito de jogar mais uma pedra no caminho da transparência. Se tal precedente vira regra, a já enfraquecida democracia brasileira poderá ser declarada morta de vez. E firmar o pé contra tais atos, lá ou aqui, é o que a mantém relativamente viva, ainda que só no papel e nas cabeças de alguns ingênuos.
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