EXCLUSIVO: PRESTAÇÃO DE CONTAS APONTA QUE BUÍQUE REGISTROU DÉFICIT ORÇAMENTÁRIO RECORDE EM 2023

 

Informações do Relatório de Auditoria emitido pelo Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, e que ainda será julgado pelo órgão, ainda indicam que município do agreste pernambucano, então chefiado por Arquimedes Valença, não fez por onde diminuir os limites de despesa de pessoal e cometeu, pelo menos, 22 irregularidades e deficiências no referido ano. Ainda foram registrados um déficit financeiro de mais de R$ 7 milhões e um desequilíbrio atuarial do Regime de Previdência Social de quase meio bilhão de reais

Leia também: Exclusivo- Auditoria do TCE defende multa de mais de R$ 300 mil a ex-prefeito de Buíque por gestão fiscal de 2023


A prestação de contas de 2023 do município de Buíque, no agreste, está em tramitação no Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco sem uma data definida para julgamento, mas o Relatório de Auditoria emitido em fevereiro deste ano aponta, pelo menos, vinte e duas irregularidades e deficiências que teriam sido cometidas no referido ano pelo então prefeito Arquimedes Valença. São elas:

- LOA (Lei Orçamentária Anual) com receitas de capital superestimadas, não correspondentes à real capacidade de arrecadação do município, resultando em despesas de capital igualmente superestimadas; 

- Programação financeira deficiente; 

- Cronograma de execução mensal de desembolso deficiente; 

- LOA com previsão de um limite exagerado para a abertura de créditos adicionais, descaracterizando a concepção da peça orçamentária como um instrumento de planejamento; 

- LOA com previsão de dispositivo inapropriado para abertura de créditos adicionais, pois, na prática, é mecanismo que libera o Poder Executivo de consultar a Câmara Municipal sobre o Orçamento e descaracteriza a concepção da peça orçamentária como um instrumento de planejamento;

- Omissão no dever de comprovar a existência de excesso de arrecadação, por natureza da receita, disponível para a abertura de créditos adicionais;

- Déficit de execução orçamentária no montante de R$ 12.150.901,68 (doze milhões, cento e cinquenta mil, novecentos e um reais e sessenta e oito centavos), ou seja, o município realizou despesas em volume superior à arrecadação de receitas;

- Balanço Patrimonial sem apresentar, em Quadro do Superávit/Déficit Financeiro, as disponibilidades por fonte/destinação de recursos, de modo segregado, em desobediência ao previsto no Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público - MCASP;

- Déficit financeiro de R$ 7.192.903,88 (sete milhões, cento e noventa e dois mil, novecentos e três reais e oitenta e oito centavos);

- Balanço Patrimonial do município com registro deficiente do Passivo de longo prazo, uma vez que as provisões matemáticas previdenciárias não foram apuradas corretamente;

- Incapacidade de pagamento imediato de seus compromissos de curto prazo (liquidez imediata <1);

- Incapacidade de pagamento de seus compromissos de até 12 meses contando com os recursos a curto prazo: caixa, bancos, estoques etc. (liquidez seca <1);

- Relação Despesa Corrente / Receita Corrente maior que 95%;

- Receita Corrente Líquida apurada incorretamente nos demonstrativos fiscais;

- Despesa total com pessoal acima do limite previsto pela Lei de Responsabilidade Fiscal;

- Não recondução do gasto com pessoal ao limite no período determinado pelo art. 15 da Lei Complementar Federal nº 178/2021;

- Realização de despesas com recursos do FUNDEB sem lastro financeiro, em montante acima da receita recebida no exercício;

- Descumprimento do prazo de utilização, de até o primeiro quadrimestre, do saldo do FUNDEB recebido do exercício anterior;

- RPPS (Regime Próprio de Previdência Social) em desequilíbrio financeiro, haja vista o resultado previdenciário negativo de R$ 6.271.705,24 (seis milhões, duzentos e setenta e um mil, setecentos e cinco reais e vinte e quatro centavos), valor que representa a necessidade de financiamento do regime para pagar os benefícios previdenciários do exercício;

- RPPS em desequilíbrio atuarial, haja vista o déficit atuarial de R$ 497.723.306,49 (quatrocentos e noventa e sete milhões, setecentos e vinte e três mil, trezentos e seis reais e quarenta e nove centavos); 

- Não adoção de alíquota sugerida na avaliação atuarial, a qual corresponde a percentual que conduziria o RPPS a uma situação de equilíbrio atuarial (tendo como possível repercussão legal: a não emissão de Certificado de Regularidade Previdenciária- CRP, exigido para recebimento de transferência de voluntária da União e para recebimento de recursos decorrentes de compensação previdenciária);

- Nível “Básico” de transparência da gestão, conforme Levantamento Nacional de Transparência Pública (LNTP), evidenciando que a Prefeitura não disponibilizou integralmente para a sociedade o conjunto de informações necessárias (tendo como possíveis repercussões legais: a proibição do município receber transferência voluntária, o Julgamento do Prefeito pela Câmara de Vereadores sobre a ocorrência de infração político-administrativa, por praticar, contra expressa disposição de lei, ato de sua competência ou omitir-se na sua prática, tendo como sanção prevista a cassação do mandato e o julgamento do Prefeito pelo TCE-PE, em Processo de Gestão Fiscal, por deixar de disponibilizar em meio eletrônico de acesso público os documentos e informações da gestão fiscal, com sanção de multa).

Arquimedes deixou a Prefeitura no final de 2024, sendo substituído por Túlio Monteiro (que foi seu vice entre 2021 e 2024). Suas prestações de contas de 2017 a 2022 foram aprovadas com ressalvas pelos conselheiros do TCE e as de 2017 a 2021 pela Câmara de Vereadores. As ressalvas eram sempre as mesmas: déficit orçamentário e financeiro, resultado previdenciário negativo e déficit atuarial gigantesco, além dos descumprimentos dos limites com despesa de pessoal. Mesmo assim, estas ressalvas continuaram a se repetir ano após ano e a maioria dos integrantes do Legislativo (conivente e pertencente à situação) neste período se omitiu, não fiscalizando adequadamente nem cobrando do Executivo uma postura corretiva quanto aos problemas apontados nas prestações de contas.

Dos treze limites constitucionais e legais apontados no Relatório de Auditoria que a Prefeitura de Buíque deveria cumprir em 2023, aqueles da despesa total com pessoal foram descumpridos em todos os três quadrimestres do ano em questão, ficando acima de 54% da receita corrente líquida do município. Estes descumprimentos, aliás, foram citados em outro processo no TCE: o de gestão fiscal, onde é defendida a aplicação de uma multa de mais de R$ 300 mil a Arquimedes (basta clicar na matéria em destaque no topo).

No orçamento de 2023, as receitas totais de Buíque foram de mais de R$ 182,9 milhões: maior arrecadação já registrada na série histórica do TCE, iniciada em 2013. Um resultado surpreendente, levando em conta os impactos econômicos trazidos pela pandemia de COVID-19, iniciada em 2020 e que só viria a se atenuar no começo de 2023.

Contudo, as despesas totais do município ficaram em mais de R$ 195 milhões, sendo 62% somente com pessoal e encargos sociais. Em janeiro e novembro do referido ano, o então prefeito assinou dois decretos de corte de gastos que, em tese, suspendiam as realizações de festividades com dinheiro público para equilibrar o caixa municipal. Só que o documento do TCE aponta que, mesmo assim, foram gastos mais de R$ 800 mil com festividades em 2023. Isso porque em agosto, próximo da realização da Festa da Juventude, o mesmo Arquimedes revogou alguns artigos do seu próprio decreto, permitindo que a Prefeitura pudesse fazer alguns gastos para este evento. Eis o que diz parte do Relatório de Auditoria:

"Os Investimentos estão relacionados à expansão dos serviços à população, concorrendo para o aumento do patrimônio público e levando ao aumento da capacidade produtiva do município. Já as despesas com Pessoal e Encargos Sociais e Outras Despesas Correntes se destinam à manutenção da máquina pública existente. (...) Ademais, em relação às especificidades das despesas, conforme deliberação do Pleno deste Tribunal de Contas, atendendo a pedido do Ministério Público de Contas, convém destacar que a Prefeitura de Buíque realizou despesas com eventos comemorativos em 2023 (Festa de Emancipação Política, São João, Festa da Juventude, Festa de Nossa Senhora da Penha no Carneiro e Natal, dentre outras) no valor de R$ 862.504,35 (oitocentos e sessenta e dois mil, quinhentos e quatro reais e trinta e cinco centavos)"

O chamado resultado orçamentário (receitas menos despesas) ficou negativo, gerando um déficit de mais de R$ 12,1 milhões em 2023: o maior desde 2013 (imagem no topo da matéria) e completamente diferente do apresentado na Lei Orçamentária Anual daquele ano.

Já o chamado resultado financeiro de Buíque (ativos menos passivos) terminou 2023 com déficit de pouco mais de R$ 7,1 milhões.

A dívida ativa do município, que chegou a ser de mais de R$ 19,5 milhões em 2020, ficou em R$ 9,13 milhões em 2023. Apontou-se ali que o município estava incapaz de pagar as chamadas obrigações de curto prazo:

"Constata-se que o Município de Buíque encerrou o exercício de 2023 com uma Liquidez Imediata de 0,90, demonstrando incapacidade para honrar imediatamente seus compromissos de curto prazo se consideradas apenas suas disponibilidades de caixa e bancos. Adicionalmente, o município apresenta uma Liquidez Seca de 0,90, o que demonstra incapacidade de honrar seus compromissos de curto prazo mesmo contando com todos os recursos do Ativo Circulante"

Até o chamado duodécimo (repasse obrigatório que o Executivo precisa fazer à Câmara de Vereadores) foi menor que o previsto: pouco mais de R$ 5,56 milhões. Comparado com o limite constitucional em reais para 2023, não foram pagos R$ 976,15 (novecentos e setenta e seis reais e quinze centavos), mas este valor foi considerado insignificante.

As receitas previdenciárias de Buíque em 2023 ficaram em pouco mais de R$ 21,4 milhões e as despesas em R$ 27,7 milhões, fazendo com que o Fundo de Previdência Social do município encerrasse o ano com déficit financeiro de mais de R$ 6,2 milhões: pior resultado desde 2014.

Conforme mostrado no gráfico acima, no primeiro ano de mandato de Arquimedes (2017), o resultado financeiro do FPS terminou com superávit de R$ 10 mil (ou seja, sobrou dinheiro depois de descontadas as despesas). Em 2018, esse superávit foi ainda maior, de R$ 90 mil, mas a partir de 2019, o FPS não conseguiu mais encerrar o ano financeiro sem registrar déficit (quando as despesas superam as receitas) e ainda que em 2021, esse débito tenha diminuído, em 2022 voltou a ficar fora de controle.
"O resultado previdenciário negativo do exercício foi influenciado, entre outros aspectos, pela não adoção de alíquota de equilíbrio sugerida pelo atuário. Tais fatos culminaram com a incapacidade do RPPS, no exercício, de acumular recursos para honrar os pagamentos futuros dos benefícios previdenciários. Acrescenta-se à existência de déficit previdenciário, o fato de que o RPPS de Buíque já não possui mais recursos financeiros acumulados para cobrir a diferença entre receitas e despesas, ficando dependente de repasses do tesouro municipal para garantir o pagamento dos benefícios previdenciários, consoante obrigação imposta pelo § 1° do art. 2° da Lei Federal n° 9.717/1998."
Já quanto ao chamado resultado atuarial, deve-se deixar claro que aqui se trata da garantia da equivalência a valor presente entre o fluxo das receitas estimadas e o das obrigações projetadas, apuradas atuarialmente, a longo prazo. É diferente do resultado financeiro, que apura as receitas e despesas de determinado ano.
Quando os recursos se demonstram insuficientes para o pagamento dos benefícios futuros, independente de superávit ou equilíbrio financeiro, haverá uma situação de desequilíbrio atuarial. O cálculo é feito da seguinte forma: pega-se o valor dos ativos garantidores de compromissos do Plano de Benefícios e subtrai pelo valor do passivo atuarial (provisão matemática dos benefícios já concedidos mais aqueles que ainda serão concedidos menos a provisão pra cobertura de insuficiências financeiras garantidas por lei).
O resultado atuarial de Buíque foi um déficit de mais de R$ 497,7 milhões em 2023, sendo que somente o passivo atuarial passou de meio bilhão de reais. Tal resultado também foi o pior registrado desde 2016.

Por conta disso, foi sugerido um plano de equacionamento e amortização deste déficit com duração até 2054. As alíquotas de contribuição dos ativos, aposentados e pensionistas ao FPS já estavam uniformizadas em 14% (acima até do que sugeriu o próprio INSS). No entanto, a chamada contribuição patronal (repasse feito pelas pessoas jurídicas ao INSS, calculado com base na folha de pagamento dos seus colaboradores) deveria aumentar para 28%. Além disso, os aportes da Prefeitura no regime próprio passariam a ser maiores, de 39,84%.
O município, no entanto, definiu por lei que sua contribuição patronal seria de somente 22%, enquanto que os aportes (chamados também de contribuições suplementares) seriam de somente 12%.
"Tal fato enseja o desequilíbrio atuarial e financeiro do RPPS, colocando em risco sua sustentabilidade, prevista no art. 40, caput, da Constituição Federal. É responsabilidade do chefe do Poder Executivo o envio ao Poder Legislativo de projeto de lei de modo a contemplar uma alíquota que preserve o patrimônio e a segurança do regime"
Vale lembrar que, neste ano, foi aprovado o projeto de lei enviado pelo Prefeito Túlio Monteiro à Câmara de Vereadores que reestrutura o Fundo de Previdência Social de Buíque (que passará a se chamar BuíquePrev), mantendo uniforme as alíquotas de contribuição dos servidores ativos em 14%, aumentando os aportes feitos pela Prefeitura com o uso de uma parte maior dos recursos advindos do Imposto de Renda Retido na Fonte e reduzindo as contribuições dos aposentados e pensionistas para 11%.
Também foi detectada uma piora no nível de Transparência dos sites oficiais e Portais da Transparência da Prefeitura e da Câmara de Vereadores de Buíque em 2023, caindo de Intermediário para Básico (quando o índice de transparência fica entre 30 e 50%).
O advogado de Arquimedes Valença disse resumidamente, em defesa prévia enviada ao TCE, que as irregularidades e deficiências apontadas no Relatório de Auditoria de sua prestação de contas de 2023 "não possuem gravidade apta a justificar a emissão de parecer prévio pela rejeição das contas". Que o ex-prefeito não pode ser responsabilizado pelo agravamento do déficit (tanto financeiro quanto atuarial) da Previdência municipal, "quando estes já eram históricos e anteriores à sua gestão".
Quanto a este diálogo, reiteramos que, conforme foi mostrado no próprio Relatório de Auditoria do TCE e já reproduzido nesta matéria, o resultado financeiro só começou a registrar déficit em 2019 (quando Arquimedes já tinha dois anos de mandato). E ainda que o resultado atuarial tenha de fato ficado negativo a partir de 2017, devido ao que foi feito em 2016 (último ano de Jonas Camelo Neto como prefeito), foi também a partir de 2019 que este resultado obteve uma piora ainda mais considerável.
Sobre as irregularidades no quesito da Transparência, a defesa do ex-prefeito buiquense disse que ele não teve tempo hábil para se adequar, no exercício de 2023, às exigências correlatas à transparência pública.
A Lei de Acesso à Informação, que disciplina os Portais da Transparência e as informações que devem ser acessíveis aos cidadãos por parte do poder público, está em vigor no Brasil desde 2011.

A prestação de contas de 2023 de Buíque será julgada pela 2ª Câmara do TCE, sob relatoria do conselheiro Marcos Loreto. Ainda não há data marcada para este julgamento ocorrer. Depois da apreciação no órgão, o parecer prévio será enviado à Câmara de Vereadores de Buíque para votação.

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