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A prestação de contas de 2023 do município de Buíque, no agreste, está em tramitação no Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco sem uma data definida para julgamento, mas o Relatório de Auditoria emitido em fevereiro deste ano aponta, pelo menos, vinte e duas irregularidades e deficiências que teriam sido cometidas no referido ano pelo então prefeito Arquimedes Valença. São elas:
- LOA (Lei Orçamentária Anual) com receitas de capital superestimadas, não correspondentes à real capacidade de arrecadação do município, resultando em despesas de capital igualmente superestimadas;
- Programação financeira deficiente;
- Cronograma de execução mensal de desembolso deficiente;
- LOA com previsão de um limite exagerado para a abertura de créditos adicionais, descaracterizando a concepção da peça orçamentária como um instrumento de planejamento;
- LOA com previsão de dispositivo inapropriado para abertura de créditos adicionais, pois, na prática, é mecanismo que libera o Poder Executivo de consultar a Câmara Municipal sobre o Orçamento e descaracteriza a concepção da peça orçamentária como um instrumento de planejamento;
- Omissão no dever de comprovar a existência de excesso de arrecadação, por natureza da receita, disponível para a abertura de créditos adicionais;
- Déficit de execução orçamentária no montante de R$ 12.150.901,68 (doze milhões, cento e cinquenta mil, novecentos e um reais e sessenta e oito centavos), ou seja, o município realizou despesas em volume superior à arrecadação de receitas;
- Balanço Patrimonial sem apresentar, em Quadro do Superávit/Déficit Financeiro, as disponibilidades por fonte/destinação de recursos, de modo segregado, em desobediência ao previsto no Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público - MCASP;
- Déficit financeiro de R$ 7.192.903,88 (sete milhões, cento e noventa e dois mil, novecentos e três reais e oitenta e oito centavos);
- Balanço Patrimonial do município com registro deficiente do Passivo de longo prazo, uma vez que as provisões matemáticas previdenciárias não foram apuradas corretamente;
- Incapacidade de pagamento imediato de seus compromissos de curto prazo (liquidez imediata <1);
- Incapacidade de pagamento de seus compromissos de até 12 meses contando com os recursos a curto prazo: caixa, bancos, estoques etc. (liquidez seca <1);
- Relação Despesa Corrente / Receita Corrente maior que 95%;
- Receita Corrente Líquida apurada incorretamente nos demonstrativos fiscais;
- Despesa total com pessoal acima do limite previsto pela Lei de Responsabilidade Fiscal;
- Não recondução do gasto com pessoal ao limite no período determinado pelo art. 15 da Lei Complementar Federal nº 178/2021;
- Realização de despesas com recursos do FUNDEB sem lastro financeiro, em montante acima da receita recebida no exercício;
- Descumprimento do prazo de utilização, de até o primeiro quadrimestre, do saldo do FUNDEB recebido do exercício anterior;
- RPPS (Regime Próprio de Previdência Social) em desequilíbrio financeiro, haja vista o resultado previdenciário negativo de R$ 6.271.705,24 (seis milhões, duzentos e setenta e um mil, setecentos e cinco reais e vinte e quatro centavos), valor que representa a necessidade de financiamento do regime para pagar os benefícios previdenciários do exercício;
- RPPS em desequilíbrio atuarial, haja vista o déficit atuarial de R$ 497.723.306,49 (quatrocentos e noventa e sete milhões, setecentos e vinte e três mil, trezentos e seis reais e quarenta e nove centavos);
- Não adoção de alíquota sugerida na avaliação atuarial, a qual corresponde a percentual que conduziria o RPPS a uma situação de equilíbrio atuarial (tendo como possível repercussão legal: a não emissão de Certificado de Regularidade Previdenciária- CRP, exigido para recebimento de transferência de voluntária da União e para recebimento de recursos decorrentes de compensação previdenciária);
- Nível “Básico” de transparência da gestão, conforme Levantamento Nacional de Transparência Pública (LNTP), evidenciando que a Prefeitura não disponibilizou integralmente para a sociedade o conjunto de informações necessárias (tendo como possíveis repercussões legais: a proibição do município receber transferência voluntária, o Julgamento do Prefeito pela Câmara de Vereadores sobre a ocorrência de infração político-administrativa, por praticar, contra expressa disposição de lei, ato de sua competência ou omitir-se na sua prática, tendo como sanção prevista a cassação do mandato e o julgamento do Prefeito pelo TCE-PE, em Processo de Gestão Fiscal, por deixar de disponibilizar em meio eletrônico de acesso público os documentos e informações da gestão fiscal, com sanção de multa).
Arquimedes deixou a Prefeitura no final de 2024, sendo substituído por Túlio Monteiro (que foi seu vice entre 2021 e 2024). Suas prestações de contas de 2017 a 2022 foram aprovadas com ressalvas pelos conselheiros do TCE e as de 2017 a 2021 pela Câmara de Vereadores. As ressalvas eram sempre as mesmas: déficit orçamentário e financeiro, resultado previdenciário negativo e déficit atuarial gigantesco, além dos descumprimentos dos limites com despesa de pessoal. Mesmo assim, estas ressalvas continuaram a se repetir ano após ano e a maioria dos integrantes do Legislativo (conivente e pertencente à situação) neste período se omitiu, não fiscalizando adequadamente nem cobrando do Executivo uma postura corretiva quanto aos problemas apontados nas prestações de contas.
Dos treze limites constitucionais e legais apontados no Relatório de Auditoria que a Prefeitura de Buíque deveria cumprir em 2023, aqueles da despesa total com pessoal foram descumpridos em todos os três quadrimestres do ano em questão, ficando acima de 54% da receita corrente líquida do município. Estes descumprimentos, aliás, foram citados em outro processo no TCE: o de gestão fiscal, onde é defendida a aplicação de uma multa de mais de R$ 300 mil a Arquimedes (basta clicar na matéria em destaque no topo).
No orçamento de 2023, as receitas totais de Buíque foram de mais de R$ 182,9 milhões: maior arrecadação já registrada na série histórica do TCE, iniciada em 2013. Um resultado surpreendente, levando em conta os impactos econômicos trazidos pela pandemia de COVID-19, iniciada em 2020 e que só viria a se atenuar no começo de 2023.
Contudo, as despesas totais do município ficaram em mais de R$ 195 milhões, sendo 62% somente com pessoal e encargos sociais. Em janeiro e novembro do referido ano, o então prefeito assinou dois decretos de corte de gastos que, em tese, suspendiam as realizações de festividades com dinheiro público para equilibrar o caixa municipal. Só que o documento do TCE aponta que, mesmo assim, foram gastos mais de R$ 800 mil com festividades em 2023. Isso porque em agosto, próximo da realização da Festa da Juventude, o mesmo Arquimedes revogou alguns artigos do seu próprio decreto, permitindo que a Prefeitura pudesse fazer alguns gastos para este evento. Eis o que diz parte do Relatório de Auditoria:
"Os Investimentos estão relacionados à expansão dos serviços à população, concorrendo para o aumento do patrimônio público e levando ao aumento da capacidade produtiva do município. Já as despesas com Pessoal e Encargos Sociais e Outras Despesas Correntes se destinam à manutenção da máquina pública existente. (...) Ademais, em relação às especificidades das despesas, conforme deliberação do Pleno deste Tribunal de Contas, atendendo a pedido do Ministério Público de Contas, convém destacar que a Prefeitura de Buíque realizou despesas com eventos comemorativos em 2023 (Festa de Emancipação Política, São João, Festa da Juventude, Festa de Nossa Senhora da Penha no Carneiro e Natal, dentre outras) no valor de R$ 862.504,35 (oitocentos e sessenta e dois mil, quinhentos e quatro reais e trinta e cinco centavos)"
O chamado resultado orçamentário (receitas menos despesas) ficou negativo, gerando um déficit de mais de R$ 12,1 milhões em 2023: o maior desde 2013 (imagem no topo da matéria) e completamente diferente do apresentado na Lei Orçamentária Anual daquele ano.
Já o chamado resultado financeiro de Buíque (ativos menos passivos) terminou 2023 com déficit de pouco mais de R$ 7,1 milhões.
A dívida ativa do município, que chegou a ser de mais de R$ 19,5 milhões em 2020, ficou em R$ 9,13 milhões em 2023. Apontou-se ali que o município estava incapaz de pagar as chamadas obrigações de curto prazo:
"Constata-se que o Município de Buíque encerrou o exercício de 2023 com uma Liquidez Imediata de 0,90, demonstrando incapacidade para honrar imediatamente seus compromissos de curto prazo se consideradas apenas suas disponibilidades de caixa e bancos. Adicionalmente, o município apresenta uma Liquidez Seca de 0,90, o que demonstra incapacidade de honrar seus compromissos de curto prazo mesmo contando com todos os recursos do Ativo Circulante"
Até o chamado duodécimo (repasse obrigatório que o Executivo precisa fazer à Câmara de Vereadores) foi menor que o previsto: pouco mais de R$ 5,56 milhões. Comparado com o limite constitucional em reais para 2023, não foram pagos R$ 976,15 (novecentos e setenta e seis reais e quinze centavos), mas este valor foi considerado insignificante.
As receitas previdenciárias de Buíque em 2023 ficaram em pouco mais de R$ 21,4 milhões e as despesas em R$ 27,7 milhões, fazendo com que o Fundo de Previdência Social do município encerrasse o ano com déficit financeiro de mais de R$ 6,2 milhões: pior resultado desde 2014.