OPINIÃO: VAMOS DESCONSTRUIR A PALAVRA DESCONSTRUÇÃO

 

Imagem meramente ilustrativa (Foto de Monstera no Pexels)

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Por William Lourenço


Diferente de outras Colunas de Opinião escritas aqui, que costumam ser sobre notícias, nesta eu falarei sobre a desconstrução: o conceito que originou a palavra da moda, e o que eu acho disso. Vale lembrar que esta é uma Coluna de Opinião: leia-a se quiser.

O conceito de desconstrução foi criado pelo filósofo argelino Jacques Derrida (1930-2004), e presume que, dentro do campo da Filosofia, seja feita uma desmontagem, ou decomposição, dos elementos da escrita para que descubram partes dissimuladas de um texto e, assim, haja outra compreensão daquilo que está sendo abordado. Esse conceito, utilizado pela primeira vez há pouco mais de 60 anos, vai na contramão da Filosofia clássica, ao considerar que "não existem fatos, apenas interpretações" e que sua aplicação pode se tornar uma das leituras possíveis, mas não a verdadeira, de um texto filosófico. Todo conceito é metafórico, interpretativo.

E quando que essa desconstrução se tornou uma palavra tão banalizada? O próprio Derrida defendia que "as formações culturais e intelectuais humanas deveriam sofrer uma reinterpretação como elemento fundante de um novo conhecimento". Alguém resolveu pegar essa frase e jogar na sociedade como algo a ser feito por cada um perante comportamentos considerados inadequados e até preconceituosos: todo mundo precisa se desconstruir, e é a partir desse ponto que se inicia minha aversão.

Não sei se foi porque eu li também O Mal-Estar na Civilização, do Sigmund Freud, mas essa coisa de desconstrução, como está sendo imposta, jamais funcionará dentro das relações sociais. Primeiro, porque o ser humano, ao contrário do que se prega, não é um ser naturalmente social: é um ser que se torna social para suprir certas necessidades individuais. Ele só cede algo ao outro se souber que receberá algo daquela pessoa em troca.

Outro ponto a ser levado em consideração é a do texto e do contexto. É óbvio que tempos diferentes darão ao mesmo texto significados diferentes. Ou mesmo, neste mesmo tempo, significados diferentes a pessoas diferentes. As sociedades, naturalmente, passam por esse processo de reavaliação de certos conceitos, à medida em que a maioria das pessoas muda sua percepções individuais sobre posturas e costumes em relação aos outros e a si mesmo. Porém essas interpretações variam, a depender das experiências sociais que ela teve e da própria sociedade onde ela vive. Um comportamento considerado normal aqui no Brasil pode ser algo ofensivo em outro país, tendo em vista o modo como essas sociedades se comportam e seus contextos. 

A palavra desconstrução, quando procurada no dicionário, significa a ação de desconstruir, de desfazer a construção de alguma coisa.

Alerta de ironia: imagine a seguinte cena onde você é o responsável pela construção de uma casa. Durante a obra, você percebe que uma das paredes está torta, ainda que em alguns milímetros. É quase imperceptível a olho nu, mas você sabe que aquela pequena falha pode comprometer toda a estrutura já levantada. Você vai reclamar com o pedreiro, que sugere que basta derrubar a parte torta da parede e construí-la de novo a partir daquele ponto. Só que a parede já está levantada, com a parte elétrica instalada, rebocada e até com a cerâmica posta. Não há como desconstruir aqui, correto? O jeito é destruir o que já tinha sido feito, e reconstruir tudo, prestando mais atenção para que o erro não se repita. A menos que você esteja usando peças de Lego.

E outra coisa que eu ia esquecendo: o indivíduo, quando se sente acuado, ainda que seja por uma ideia da qual ele discorde, tende a agir agressivamente visando sua defesa. Isso eu vi também no livro do Freud, não exatamente com essas palavras.

Nas palavras do próprio Derrida, “A desconstrução não é um método e não pode ser transformada num método [...]". Nem mesmo no campo filosófico há um consenso sobre sua aplicabilidade.

Fora que a palavra, não o conceito, foi banalizada por diversos artistas e ativistas para censurar certas posturas que eles consideram inadequadas e, assim, obrigar os discordantes a concordarem cegamente com elas, baseados unicamente em suas experiência sociais e em suas interpretações de como a sociedade deve ser, deixando de lado as interpretações das outras pessoas, que são igualmente importantes ao funcionamento das sociedades em que estão inseridas. A imposição sem a discussão gera acuamento, que gera a sensação de ameaça, que gera a aversão. E daí, pode se esperar tudo.

E, até pelo contexto em que estamos, a desconstrução é vista sim como a destruição de conceitos para muitos, como coisa de comunista, tentativa de atrair "biscoito" e o tal do lacre na internet, ainda que tenham que acabar com as reputações dos outros para tal. O Twitter é o maior exemplo dessa atitude: usuários pegam frases postadas há cinco, dez, quase quinze anos atrás, repostam e aplicam aquilo ao contexto atual como se aquela pessoa ainda pensasse daquele jeito (mesmo sem, na maioria das vezes, conhecê-la pessoalmente ou saber todas as suas experiências de vida) e, numa espécie de julgamento retroativo, com esse pretexto da desconstrução, execram pessoas virtualmente sem dó nem piedade e as condenam ao "cancelamento". Mal sabem, ou esquecem, estas mesmas pessoas que, uma vez online, também são passíveis de julgamento dos outros que, a partir de seus próprios conceitos e daquilo que consideram ser a desconstrução, irão condená-las usando as mesmas armas.

Para finalizar: o ser humano está em constante evolução e construção de certos conceitos. Não é possível desconstruir nada. Destruir? Talvez! Reconstruir? Também! Porém, antes da tal construção, é necessária a discussão em sociedade sobre como isso será feito: o que queremos que fique pronto, como queremos, como vamos fazer isso juntos, e como cada um pode fazer isso de forma harmônica, respeitosa e civilizada.

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