EXCLUSIVO: OS PROCESSOS CONTRA EX-PREFEITOS DE BUÍQUE NA JUSTIÇA FEDERAL

 

Arquimedes Valença tenta se livrar de cobrança de multa referente a um acórdão do Tribunal de Contas da União, enquanto que Jonas Camelo Neto aguarda manutenção de sentença que julgou improcedente ação de improbidade administrativa contra ele, mas que Ministério Público Federal recorreu. Ambas as ações estão em tramitação no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (Foto: Arte Reprodução/ Redes Sociais)


O Tribunal Regional Federal da 5ª Região julgará, nos próximos dias, duas ações envolvendo os nomes de Arquimedes Valença e Jonas Camelo Neto, ex-prefeitos de Buíque, no agreste pernambucano. O Podcast Cafezinho com William Lourenço obteve acesso a estes processos, por meio da Consulta Pública do portal de Processo Judicial Eletrônico do TRF-5.
Enquanto Arquimedes (que governou o município neste século entre 2001 e 2008, e novamente entre 2017 e 2024) busca anular um acórdão do Tribunal de Contas da União que responsabilizou e multou ele e seu sucessor Jonas por irregularidades apontadas em um convênio firmado com a Caixa Econômica Federal e o Ministério do Turismo para a construção do Centro de Informações Turísticas e Pórtico da Cidade; o político que ficou na Prefeitura entre 2009 e 2016 aguarda o julgamento de um recurso impetrado pelo Ministério Público Federal contra decisão de primeira instância que considerou improcedente uma ação de improbidade administrativa contra ele, outras três pessoas e uma empresa participante de uma licitação apontada como irregular.

- Arquimedes e o Acórdão do TCU
Em 2016, a Caixa Econômica Federal e o Ministério do Turismo instauraram uma Tomada de Contas Especial no Tribunal de Contas da União contra Arquimedes Valença e Jonas Camelo Neto por, segundo os órgãos federais, ter ocorrido a "inexecução parcial do objeto pactuado no âmbito do Contrato de Repasse nº 0170.498-81/2004 destinado ao apoio à construção do “Centro de Informações Turísticas e Pórtico da Cidade”, com a previsão do aporte de recursos no valor total R$ 283.461,32 (duzentos e oitenta e três mil, quatrocentos e sessenta e um reais e trinta e dois centavos)".
Em acórdão proferido já em 2018, os Ministros do TCU entenderam que:
"- o Sr. Arquimedes Guedes Valença, ex-prefeito de Buíque/PE no período de 2001-2008, e atual prefeito 2017-2020, não executou a obra nem no prazo estabelecido inicialmente (23/12/2004 a 10/12/2005), nem no prazo das prorrogações ocorridas no seu mandado, que findou em 31/12/2008 (peça 1, p. 5). Situação que demonstra claramente que o responsável não cumpriu os prazos pactuados no seu mandado para concluir a obra;

- o responsável assinou o contrato de repasse em 23/12/2004; iniciou a execução da obra em 20/8/2005; e aplicou os recursos questionados nesta TCE nas seguintes datas: 24/4/2006, 17/10/2006 e 14/1/2008 - (peça 1, p. 5-9). Também foi na sua gestão que a obra foi paralisada com apenas 25,75% executada, conforme registrado no Relatório de Acompanhamento, datado de 6/12/2007 (peça 1, p. 8386). Tais condutas demonstram claramente a responsabilidade do ex-gestor pelo dano questionado nesta TCE;

- o fato de o Sr. Jonas Camelo de Almeida Neto, prefeito sucessor, não ter dado continuidade à execução da obra não exclui a responsabilidade do Sr. Arquimedes Guedes Valença. Conforme demonstrado no parágrafo anterior, a conduta do defendente contribuiu decisivamente para o dano ao erário, haja vista a inutilidade da parcela executada em sua gestão, conforme registrado no Parecer n. PA GIDURCA 1056/2014, (peça 1, p. 5-8);

- o fato de o atual gestor do município de Buíque/PE, que é o defendente, sinalizar no sentido de que pretende concluir a obra não sana a irregularidade, já que não há nada de concreto quando à conclusão do empreendimento. O que se tem é um mero ofício da Secretaria de Obras e Viação e Serviços Públicos de Buíque/PE informando que estava em elaboração novos projetos com vistas a finalizar a obra do contrato em tela (peça 30, p. 6); e

- o TC Processo 004.632/2003-0, objeto do Acórdão 41/2008-TCU-Segunda Câmara-Relator Ministro Ubiratan Aguiar, citado pela defesa, não se trata de situação semelhante a ora examinada. Naquele processo, observa-se que os recursos foram aplicados pelo prefeito sucessor, razão por que o gestor que subscreveu o ajuste foi excluído do rol de responsáveis. Note-se que, no caso em exame, o responsável era o prefeito, assinou o contrato, aplicou os recursos e deixou a obra paralisada para o seu sucessor".

Arquimedes Valença foi multado aqui em R$ 20 mil. Jonas Camelo Neto, que sequer apresentou defesa, também. Além disso, ambos foram condenados a pagar solidariamente, a princípio, o montante de R$ 58.247,53 (cinquenta e oito mil, duzentos e quarenta e sete reais e cinquenta e três centavos) ao Tesouro Nacional: valor este apontado como dano ao erário pela obra não concluída. Só que, com as atualizações monetárias até novembro de 2017, o pagamento do dano ao erário ficaria em R$ 183.368,32 (cento e oitenta e três mil, trezentos e sessenta e oito reais e trinta e dois centavos).

Jonas tentou anular a decisão deste e de outros dois acórdãos do TCU na Justiça, alegando que tais decisões haviam prescrito. Foi derrotado na 28ª Vara Federal de Arcoverde, no próprio Tribunal Regional Federal da 5ª Região e até no Superior Tribunal de Justiça, que decretou o trânsito em julgado do processo em setembro do ano passado. Segundo um entendimento do Supremo Tribunal Federal, com relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, o prazo de prescrição de um processo administrativo como esse é de cinco anos, contados entre a execução da fase interna (apuração do chamado órgão repassador) e a fase externa (aí sim, com a devida apuração do Tribunal de Contas). Neste processo, ocorre a chamada Tomada de Contas Especial, o encaminhamento do processo ao Tribunal de Contas e a citação (notificação) do gestor. Nos três casos, chegou-se à conclusão de que todas estas etapas foram cumpridas dentro dos prazos definidos pela jurisprudência do STF e, assim, os acórdãos não prescreveram. Por conta disso, a inelegibilidade de Jonas Camelo Neto acabou sendo estendida até setembro de 2032.

Arquimedes Valença, no entanto, tentou protelar o cumprimento da cobrança da multa e do dano ao erário de todas as formas e em todas as instâncias possíveis. Foram, pelo menos, outros dois recursos no próprio TCU contra a decisão deste acórdão em 2020 e 2021, que negaram os pedidos do ex-prefeito; outros quatro acórdãos do TCU entre 2020 e 2022 reiterando o mérito da decisão desfavorável a ele; um embargo à execução negado na 28ª Vara Federal de Arcoverde em março deste ano (primeira instância da Justiça Federal) e um procedimento comum cível na 16ª Vara Federal Cível do Distrito Federal que buscava anular todo o processo que originou o acórdão e, assim, livrá-lo da multa e do pagamento do dano ao erário, mas que também foi julgado improcedente pelo mesmo motivo: a jurisprudência do STF, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes. Em todos os casos, a conclusão foi a de que os prazos estipulados foram devidamente cumpridos e que, por isso, não há que se falar em prescrição.

No embargo à execução em análise no TRF-5, a sentença da 28ª Vara Federal de Arcoverde que considerou improcedente o pedido de Arquimedes Valença pela prescrição foi proferida em fevereiro deste ano. A Juiza Federal Danielli Farias Rabelo Leitão Rodrigues destacou que, por aqui Arquimedes ser um devedor solidário, a decisão do TCU não poderia ser reformada, já que ele também se beneficiou da chamada interrupção da prescrição, assim como seu sucessor Jonas:

"A interrupção da prescrição em face de um dos devedores solidários de um Acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) pode se estender aos demais, desde que haja responsabilidade solidária reconhecida na decisão de julgamento. Essa interpretação decorre da aplicação subsidiária de princípios gerais do direito, previstos no Código Civil e no direito administrativo sancionador, bem como da lógica subjacente à responsabilidade solidária no âmbito de ressarcimento ao erário. O Acórdão 7202/2018-TCU (2ª Câmara, rel. Min. Subst. André Luís de Carvalho) julgou irregulares as contas dos Srs. Arquimedes Guedes Valença e Jonas Camelo de Almeida Neto, nos termos dos arts. 16, inciso III, alíneas "b" e "c", e 19, caput, da Lei n.º 8.443, de 1992, "condenando-os solidariamente ao pagamento das quantias abaixo especificadas" (anexo 4058310.31788471 da execução de título extrajudicial nº 0800370- 26.2024.4.05.8310S). 

Ora, a solidariedade tem como objetivo garantir a plena reparação do dano ao erário. Permitir que a interrupção da prescrição em relação a um devedor solidário alcance os demais contribui para proteger o interesse público, evitando que outros responsáveis solidários sejam beneficiados pela inércia em ações contra um dos envolvidos. Dessa forma, a interrupção do prazo prescricional em face de Jonas Camelo de Almeida Neto (prazo de cinco anos seguidamente interrompido, entre 5/11/2010 e 11/4/2014, pelo recebimento dos Ofícios 5558/2010, 346/2013, e 792/2014 da Caixa, e, depois, pela instauração da presente TCE, em 30/9/2015) deve alcançar o embargante em virtude da condenação solidária determinada pelo Acórdão 7202/2018-TCU".

A multa que Arquimedes deve pagar ao TCU, em valores atualizados, já chega a R$ 29.185,98 (vinte e nove mil, cento e oitenta e cinco reais e noventa e oito centavos). Ele também foi condenado a pagar as custas processuais e os chamados honorários de sucumbência em 10% do valor atualizado do crédito cobrado. A Sétima Turma do TRF-5 analisará o recurso do político de 78 anos, sem data definida para julgamento.


- Jonas e a ação de improbidade administrativa

O Ministério Público Federal havia ajuizado em 2021 uma ação de improbidade administrativa contra Jonas Camelo Neto por supostas irregularidades cometidas pela Prefeitura de Buíque, enquanto estava sob sua gestão, e a empresa Andrade e Resende LTDA: vencedora de uma licitação para a prestação de serviços de transporte escolar em 2012. O sócio administrador da empresa, Flávio Raimundo Marques Ferreira Resende, a ex-secretária municipal de Educação, Greyce Vaz, e o ex-diretor do Departamento de Serviços Urbanos da Secretaria Municipal de Obras de Buíque, Fernando Silvio Lopes de Freitas, também constavam como réus.

Uma auditoria do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco apontou as seguintes irregularidades: a) inexistência de Composição de Custo Unitário; b) ausência de Projeto Básico compatível com o objeto; c) dimensionamento da quilometragem das rotas superior àquelas efetivamente executadas; d) subcontratação integral do objeto licitado; e) serviço licitado executado pela própria Administração Pública, e f) superfaturamento na prestação dos serviços de transporte escolar pela empresa demandada, quando da celebração do Quinto Termo Aditivo, no valor de R$ 530.728,90 (quinhentos e trinta mil, setecentos e vinte e oito reais e noventa centavos). Parte dos recursos utilizados foram oriundos do Fundeb e do Programa Caminhos da Escola, do Ministério da Educação: por isso, o MPF foi o autor da ação, apontando que os réus teriam desviado rendas públicas, em provento alheio, para beneficiar a Andrade e Resende, bem como seu sócio administrador.

A contratação da Andrade e Resende por meio de licitação em 2012 custou aos cofres públicos mais de R$ 2,3 milhões, conforme aponta o MPF nos autos. Contudo, o órgão alegou que "houve, na prática, a contratação de uma empresa intermediária, responsável pela subcontratação/sublocação integral do transporte escolar, prática vedada pela Lei de Licitações, uma vez que teria sido apurado que a totalidade do serviço de transporte escolar foi feita mediante o uso de veículos particulares, sem nenhum vínculo com a Administração Pública ou a empresa contratada, ora ré" e que, segundo o TCE, a empresa obteve um lucro indevido de mais de R$ 1,9 milhão somente para intermediar a contratação dos motoristas e que todas as despesas de combustível e manutenção dos veículos eram deles, pois a empresa só teria duas ambulâncias registradas em seu nome.

Este procedimento foi apontado como irregular pela Juiza Federal Danielli Farias Rabelo Leitão Rodrigues, da 28ª Vara Federal de Arcoverde, mas ela também destacou, em sentença proferida em janeiro deste ano, que tal ato não configuraria crime de improbidade administrativa por si só. Nos demais pontos levantados pelo MPF, a Juíza entendeu que não foram apresentadas provas suficientes para embasar as acusações contra os réus.

Fernando Silvio, ex-Diretor do Departamento de Serviços Urbanos de Buíque, havia sido apontado pelo MPF como gerente local da empresa Andrade e Resende no município, "possuindo, dentre outras funções, a de efetuar o pagamento aos terceirizados, além de coordenar os motoristas e veículos". Em depoimento, o réu disse que "trabalhou na prefeitura de Buíque como diretor de serviços urbanos em 2006 (cargo comissionado da Secretaria de Obras). Esclareceu que, apenas em 2011, 2012, começaram a chegar reclamações de atraso com os carros agregados (terceirizados) na secretaria de obras (onde trabalhava) e o secretário de obras teria lhe encaminhado para a empresa Andrade e Rezende para fazer um relatório das rotas e dos motoristas, na tentativa de solucionar as reclamações. Afirmou que quando os motoristas vinham assinar o ponto, pegava o nome deles, qual era a linha, as rotas, e depois teria feito uma reunião com eles e as diretoras das escolas para tentar solucionar o problema, o que teria acontecido, pois as reclamações teriam diminuído. Expôs que os locais de maior reclamação, à época, eram nos povoados São Domingos, Carneiro e Catimbau. Asseverou que nunca foi contratado da empresa, estando presente por volta de 5 meses para fazer o levantamento determinado pelo secretário, tendo sido cedido um lugar pelas duas "meninas" que trabalhavam no local, Conceição e Liliane, tendo a primeira feito a capa encontrada pelo TCE com seu nome como "gerente". Afirmou que nunca exerceu a gerência da empresa, tampouco recebeu qualquer valor da empresa, nem realizou o pagamento dos motoristas, tampouco feito boletins de medição. Afirmou que não achou estranho quando lhe designaram para fazer esse acompanhamento, já que os ofícios com as reclamações dos munícipes chegavam na secretaria de obras, setor em que era lotado".

Já o ex-prefeito Jonas Camelo, também em depoimento que consta nos autos, confirmou a versão de Fernando ao afirmar "que teria pedido ao então secretário de obras do município, Sóstenes (Camelo), no ano de 2012, que era ano de eleição, uma pessoa para acompanhar a prestação do serviço de transporte escolar, vez que estavam chegando muitas denúncias, principalmente no Ministério Público Estadual de Buíque, na Secretaria de Educação e na Secretaria de Obras de carro atrasado e superlotação, momento no qual o Sóstenes teria lhe indicado Fernando (que trabalhava, à época, na Secretaria de Obras) para "ficar no pé tanto da empresa quanto dos motoristas". Explicou que, que como havia rota nos turnos da manhã, tarde e noite, Fernando passava parte do dia na empresa. O réu afirmou ainda não haver irregularidade alguma quanto ao fato de encontrarem documentos, na mesa do escritório, com o nome "Fernando", vez que trabalhava fiscalizando a empresa no local, a pedido do réu. Informou que, à época, pediu ao Sr. Fernando que entrasse em contato com os motoristas e a empresa para que o transporte fluísse, ante as denúncias de superlotação e atraso de horários, nunca havendo pedido para que ele atuasse como gerente da empresa. Afirmou que graças à atuação de Fernando, a prestação dos serviços teve uma melhora significativa".

O sócio administrador da Andrade e Resende negou que Fernando Silvio prestasse qualquer serviço como funcionário da empresa e disse que ele só aparecia no escritório em Buíque como fiscal da Prefeitura, não tendo pago a ele qualquer valor.

A respeito do pregão eletrônico que culminou na contratação da Andrade e Resende (o primeiro feito nesta modalidade no município de Buíque), três testemunhas foram ouvidas e atestaram a lisura do pregão, que foi realizado, em suas palavras, "sem intercorrências".

Greyce Vaz afirmou em depoimento que trabalhou de 2011 a 2016 na Secretaria de Educação. Explicou que Fernando trabalhava com Sóstenes, na Secretaria de Obras. Apontou que assinava as notas de empenho com base na frequência dos alunos nas escolas, pois a Secretaria de Educação era comunicada da ausência dos alunos, quando o transporte público falhava.

Na sentença que julgou improcedente a ação em primeira instância na Justiça Federal, a Juiza ainda teceu o seguinte comentário:

"Sobre as irregularidades apontadas, entendo que apesar das situações retratarem inequívoca desorganização administrativa e induvidosa irregularidade formal no negócio jurídico formalizado, a ação de improbidade administrativa não tem por escopo a punição de informalidades, por mais relevante que seja o bem jurídico tutelado. De outra banda, o MPF não logrou êxito em comprovar as alegações de dimensionamento da quilometragem das rotas superior àquelas efetivamente executadas, superfaturamento na prestação dos serviços e serviço licitado executado diretamente pela Administração Pública Municipal. Dessa feita, por reclamar um tipo qualificado de ilicitude, notadamente marcada por má-fé ou desonestidade, a presente improbidade deve ser julgada improcedente, pois fragilizados os elementos de prova que conduziram ao seu ajuizamento."

O Ministério Público Federal recorreu da sentença ao TRF-5. O processo será analisado na 4ª Turma do órgão, também sem data definida para julgamento.

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